A melhor perua nacional dos anos 90

A melhor perua nacional dos anos 90

A melhor perua nacional dos anos 90: Chevrolet Ipanema/Suprema, Fiat Elba, Ford Royale ou VW Parati/Quantum?

Estava na Editora Abril, mais precisamente na Revista Quatro Rodas, como test-driver, no primeiro semestre de 1993, quando recebia a incumbência de avaliar qual era a melhor perua do mercado nacional. Independente do seu porte e preço. Uma tarefa árdua, que foi decidida numa reunião com minhas colegas jornalistas, que entendiam muito de transportar pessoas, famílias e bagagens em um carro, para cravar os critérios para definir na eleição da melhor perua nacional do mercado brasileiro.

Eu, Célia Murgel e Elsie Rotenberg, além do Waldemir Cereser, decidimos criteriosamente o que era importante em um carro familiar e como ele deveria ser. A partir daí criamos um critério de pontuação universal que serviria para escolher o vencedor dentre esses utilitários familiares, ou station wagon como chamavam os norte-americanos. Os modelos integrantes do duelo eram seis, todos de fabricação brasileira: Chevrolet Ipanema e Suprema, Fiat Elba, Ford Royale, além das VW Parati e Quantum.

Como sabemos, as peruas são normalmente derivados de hatches ou sedans, com privilégio do maior espaço destinado as malas. Claro que nessa decisão de pontuação demos ênfase a segurança, espaço interno, mecânica, economia de combustível, conforto e relação custo X benefício. Na época, como tínhamos uma inflação muito alta, adotamos com referência financeira o Dollar, para que todos os modelos tivessem a mesma avaliação, ignorando a mudança quase que diária na então moeda nacional.

Memorável foto dos seis modelos do comparativo, feita no estacionamento do Shopping Morumbi, na capital paulista (Foto: Marcelo Sacco/Quatro Rodas)

Todos os modelos avaliados foram levados à pista de testes, e eu, pessoalmente, dirigi todas as tais peruas, tirando o máximo de desempenho, dirigibilidade e segurança ao volante que cada uma pudesse dar. Em um trecho de estrada, medi os níveis de consumo com cada carro vazio, apenas com o motorista, e em seguida com a carga máxima divulgada pelo fabricante. Usando fitas métricas, medimos diversos parâmetros do interior de cada carro, para saber qual tinha o melhor espaço interno e o arranjo mais inteligente da cabine.

O volume do bagageiro, grande diferencial das station, era de grande valia, e recebia também sua pontuação, afinal de contas esse é um ponto de destaque nas peruas, assim como o nível de conforto a bordo, o que incluía comportamento de suspensões (se absorviam mais ou menos ondulações do solo, e o quanto afetavam na estabilidade), níveis de ruídos, maciez dos bancos e habitabilidade, como movimento de entra-e-sai ou vão para as pernas.

O bom desempenho dos motores auxilia nas ultrapassagens e retomadas, por isso contavam também como segurança, mas, por outro lado, não podiam comprometer as marcas de consumo médio. Um compromisso difícil para os fabricantes, e um trabalho extenuante para nós, que participamos dessa mega avaliação comparativa.

Partimos das espartanas VW Parati CL 1.6 e Chevrolet Ipanema SL 1.8, que foram as versões mais baratas que a marca possuía em sua frota de imprensa, mas outros modelos usados foram do topo da linha, como foi o caso da Ford Royale Ghia ou da GM Suprema CD. Como configurações intermediárias, a VW Quantum CLi 1.8 e Fiat Elba Weekend 1.5 i.e.

Esse trabalho, feito na pista da Freios Varga em Limeira (SP), nos obrigou a ficar por mais de uma semana dedicados, para que tivéssemos todos os parâmetros para definirmos a melhor perua do mercado brasileiro. De volta para a redação da Quatro Rodas, e com todos os parâmetros da avaliação resgatados, começamos a ranquear carro a carro, em mais de 800 valores avaliados e passando das 200 notas atribuídas, para que, finalmente, chegássemos ao resultado final. No total, como máxima, cada carro poderia atingir até 561 pontos, que seria a “perua perfeita”, um carro, lógico, inexistente.

Nessa super avaliação, acreditem, a vitória foi da humilde VW Parati, batendo os 470,9 pontos no total. Ela, vendida por cerca de US$13,2 mil (R$66 mil atuais em uma conta simplória de padaria), deu um show em suas concorrentes, principalmente, quando o assunto foi relação custo X benefício, baixo consumo de combustível e robustez, a confiabilidade de sua mecânica. Vale lembrar que essa versão em 1993 era movida novamente pelo AP-1600, e não pelo o Ford AE 1.6. O AP mostrou-se imbatível na relação desempenho vs. consumo, e casava bem com o prazeroso câmbio manual de cinco marchas.

Parati, a mais barata e simplória, foi a grande campeã (Foto: VW/divulgação)

Custando quase o equivalente a quatro VW Parati CL 1.6 (US$49 mil), a segunda colocada do teste foi a GM Suprema CD 3.0i, que obteve, no total, 458,4 pontos. Tinha como grande pecado o seu preço altíssimo, fato que a tirou o título de vencedora (relação cXb era um dos itens primordiais), até porque, ser a melhor custando mais caro, não leva a vantagem alguma. Em contrapartida, se saía extremamente bem no quesito desempenho graças ao motor de seis cilindros e 3.0 litros (importado da Alemanha), que aliava alta performance com consumo não tão alto (a injeção Bosch Motronic ajudava). Em segurança, espaço interno, porta-malas, conforto e outras métricas, dava um show. Se não fosse o preço…

A Quantum CLi, terceira colocada, custava nada menos que a metade do preço da Suprema CD, segunda colocada: pouco menos de US$25 mil (atuais R$125 mil, em cálculo direto). E, tenha a certeza, que a VW não era 50% pior que a Chevrolet. Boa station derivada do Santana, o carro demonstrou bom desempenho e economia de combustível, mas limitações no espaço interno e bagageiro, que realmente eram críticos para seu porte. Ao mesmo tempo, tinha qualidades irrepreensíveis na mecânica, com prazer ao guiar, dinâmica e segurança a bordo. Usava o lendário AP-1800, 1.8, com a simplória injeção monoponto (próximo passo depois do carburador). No final, beirou o resultado da Suprema: 457,5 pontos. Foi por pouco…

Quantum CLi custava a metade da Suprema: definitivamente não era 50% pior que a Chevrolet (Foto: VW/divulgação)

Em quarto lugar, com a menor capacidade cúbica de motor (usava o 1.5 Sevel, feito na Argentina, com injeção single-point), a Fiat Elba Weekend sofria quando estava com carga máxima, afinal desempenho não era seu forte. Apenas aceitável, assim como os níveis de estabilidade e dinâmica de condução. Tinha como pontos críticos o alto custo de manutenção de alguns componentes da suspensão, o câmbio de cinco marchas duro e impreciso nas trocas (sem falar da durabilidade em xeque), e o alto consumo do seu conjunto propulsor, que, dependendo, precisava ser exigido ao extremo. Acumulou 439,7 pontos no final do teste, e seu preço era equivalente ao da Parati: US$14,1 mil.

Elba Weekend era espaçosa, com bom porta-malas, só que o 1.5 Sevel argentino com injeção monoponto não ajudava no desempenho (Foto: Fiat/divulgação)

Em quinto lugar, com 436,1 pontos, a Ford Royale Ghia 2.0i, que, de maneira grosseira, era uma VW Quantum com duas portas. Fruto da Autolatina, a perua da Ford trazia consigo as qualidades da Quantum (aderência lateral, frenagem, prazer ao guiar, câmbio robusto e solidez), mas também as partes negativas da VW (pequeno porta-malas e espaço interno acanhado para seu tamanho). E, para piorar, a Royale ainda era oferecida apenas com duas portas, que eram enormes e pesadas, dificultando a mobilidade e entra-e-sai. Crítica dura a uma boa perua, aqui movida pelo AP-2000 com injeção digital, semelhante ao do VW Gol GTi. Do comparativo, era o segundo carro mais caro: US$34,3 mil (mais de R$170 mil de hoje).

Finalmente, na lanterninha do ranking, estava a Chevrolet Ipanema SL 1.8, perua do Kadett. Custando cerca de US$15,8 mil (quase R$80 mil atuais em cálculos simples), o modelo básico da Chevrolet obteve 433,1 pontos, e não tinha grandes virtudes pelo seu preço mais alto. Destaque positivo por conta do bom espaço do porta-malas (ficava só atrás da Suprema) e das boas respostas do 1.8 com injeção monoponto. Apesar das quatro portas, a station tinha sérias limitações de espaço interno, principalmente no banco traseiro, e era mediana em tudo: consumo, aderência lateral, frenagem, conforto e por aí vai. Fácil entender o motivo dela ter sido a lanterninha: cara e sem grandes destaques.

 

Ipanema ficou na lanterninha: era um carro sem destaques (Foto: Chevrolet/divulgação)

Agora, 30 anos depois daquela matéria publicada na edição de agosto de 1993 da Revista Quatro Rodas, fica aí uma lembrança de um teste que me deu muito trabalho, consumindo muito tempo e energia, mas prazeroso no resultado positivo que, tenho a certeza, contribuiu para muitas escolhas das próximas peruas de muitas famílias Brasil afora. Me orgulho de relembrá-lo três décadas depois. Valeu a pena!

 

 

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Douglas Mendonça

Douglas Mendonça

Douglas Mendonça é jornalista na área automobilística há 46 anos. Trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e foi diretor de redação da revista Motor Show até 2016. Formado em comunicação pela Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Engenharia Paulista (IEP). Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e a Mil Quilômetros de Brasília em 2004. 🙋 PARCERIAS: comercial@carroscomcamanzi.com.br

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