Royal Enfield Bullet 500: clássica zero km
Por Tite Simões
Para entender a Royal Enfield E Bullet 500 é preciso se imaginar dentro das roupas do seu avô e pilotando uma moto dos anos 40, nas estradas e no estilo daquela época. Não adianta querer julgá-la baseado nos critérios das motos modernas, porque ela é uma moto inglesa dos anos 40, com a enorme vantagem de não se tratar de uma réplica, mas de uma autêntica zero quilômetro original de fábrica!
[su_slider source=”media: 9765,9767,9768,9770,9766″ link=”image” target=”blank” title=”no” pages=”no”]
Foi com muita reverência que dei partida (elétrica) na Bullet, depois de acionar o afogador (mesmo com injeção eletrônica) e o motor fez muito barulho. Pensei “entrei no túnel do tempo e voltei 70 anos”. O motor de partida só é acionado com o cavalete lateral recolhido. Se estiver abaixado, ela não libera a partida nem com a embreagem acionada. É preciso colocar no neutro.
Primeira sensação é que tem alguma coisa solta, porque o motor produz um ruído bem diferente, típico dos motores com comando no bloco e acionado por haste (a velha vareta como das Honda CGs de outrora). Na verdade, o tic-tic-tic que ouvimos vem também do descompressor para acionar o pedal de partida. Sim, ela tem o pedal e eu fiz questão de tentar – e conseguir de cara – fazê-la funcionar pelo kick-starter, em homenagem às minhas antigas motos “a pedal”.
[su_slider source=”media: 9772,9773″ link=”image” target=”blank” title=”no” pages=”no”]
O projeto dessa moto data de 1932, quando surgiu na Inglaterra pré-Guerra e foi produzida em solo inglês até 1956, ano que a linha de montagem foi transferida para a Índia e permanece até hoje. A Royal Enfiled moderna está para os indianos assim como o querido Opala estava para nossos pais nos anos 70/80. O que para nós pode parecer algo antigo e anacrônico, para eles é a oportunidade de alcançar o sonho de consumo de toda uma família. E é assim que esta linha de moto deve ser tratada: com respeito!
Como anda
Vale a pena passar um tempo olhando os detalhes. Tudo nela (ou quase tudo) é feito do mais puro, pesado e duro ferro! Não tem peças plásticas (exceto os punhos). Por isso, o peso seco chega a quase 190 kg. O primeiro detalhe que me chamou atenção, foi o par de luzes ao lado do farol, chamadas de olhos de tigre. Elas permanecem acesas quando se aciona a ignição e, além de muito charmosas, me lembrou a legislação de alguns países que obriga a manter os piscas dianteiros acesos junto com o farol, para que, à noite, os motoristas possam identificar que é uma moto e não um carro “caolho”. Aliás, deveria ser adotado no Brasil também. Para completar, como a cereja do bolo, o farol tem uma pestana de metal, exatamente como antigamente.
[su_slider source=”media: 9774,9775″ link=”image” target=”blank” title=”no” pages=”no”]
Olhando mais um pouco, podemos ver que não existe absolutamente nenhuma frescura. Tudo é funcional e necessário. As rodas são raiadas de aço que calçam pneus com câmera Metzeler de 19” na frente e 18” atrás, na discreta medida 90/90 e 110/80, respectivamente.
O desenho do motor é totalmente clássico, com o único cilindro bem na vertical e pode-se até observar as borrachas entre as aletas de arrefecimento na tentativa de reduzir a vibração. Aliás, quem não gosta de sentir a vibração de um monocilindro de 499 cm3 arrefecido a ar, com comando por vareta, nem chegue perto dessa moto. Porque ela vibra… e muito! Nada que me assuste, afinal eu já tive Yamaha DT 180 e Agrale 27.5, com seus motores estridentes dois tempos. Viajei e fui muito feliz com elas, por isso nem dei tanta importância a essa vibração, mas saiba que faz da Harley-Davidson 883 um primor de lisura.
Como é uma moto que deve atender todas as necessidades – lembra que é feita para rodar na Índia – fiz questão de passar uma semana submetendo a pobrezinha a todo tipo de maus tratos, inclusive um severo off-road cheio de lama e foi positivamente surpreendente.
Logo de cara a posição de pilotagem é a mais clássica possível: as pernas ficam em ângulo quase reto, com os pés bem repousados para a frente, como em uma moto utilitária. O guidão é largo e, para meu gosto, poderia ter uns 4 cm a mais de altura. Numa eventual “minha” Bullet eu começaria trocando o guidão, mas é perfeitamente confortável para qualquer medida de pessoa.
O banco é assimétrico, com uma grossa e dura camada de espuma. Esta seria a segunda alteração que faria na minha hipotética Bullet. Acho que poderia tirar alguns cm de espuma e inserir uma camada de gel. Ou mesmo trocar por um banco mais confortável. Mesmo assim rodei 120 km direto sem parar e sem destruir minha coluna. O espaço para garupa também é honesto e permite rodar na cidade e na estrada.
Na estrada
O primeiro trecho de teste foi no trânsito caótico de São Paulo. Nos corredores entre os carros, deu um pouco de trabalho por causa da largura do guidão. Na verdade, o guidão nem é tão largo, mas ele tem os pesos na ponta que servem para reduzir a vibração nas manoplas e, acredite, são necessários.
Não gosto de tratar a incidência de roubo e furto como uma qualidade ou fator de compra, mas admito que rodei muito tranquilo, mesmo nos bairros mais críticos, e deixei a moto estacionada (com uma singela corrente dessas de bicicleta). É realmente um alívio poder rodar de moto sem ficar olhando para os lados a cada parada de semáforo. O que rolou foi o inverso: as pessoas paravam e faziam as perguntas mais diferentes e curiosas, como “você mesmo que restaurou?”, ou “que ano é essa Harley?”, “ela vem assim?”, “meu avô tinha uma Jawa igualzinha”…
[su_slider source=”media: 9776,9778″ link=”image” target=”blank” title=”no” pages=”no”]
Sabe o que é o mais gostoso dessa moto? O câmbio! A caixa de cinco marchas tem um acionamento tão suave e silencioso que me deixou com raiva da minha BMW G 650GS. E quando se engata a quinta, acima de 40 km/h, o funcionamento do motor se torna suave, silencioso e sem vibrações. Parece mágica. Mas, basta elevar a rotação para sentir mãos e pés formigarem.
Depois do trânsito, foi a vez de pegar estrada e aí o bicho pegou, porque escolhi um trecho com limite de 120 km/h. Até 100~110 km/h o motor se mantém no limite aceitável de vibrações, mas, acima disso, a vibração é tão intensa que não dá para ver o que está se passando pelos espelhos. Uma saída para essa vibração seria adotar um sistema de castanhas e coxins na fixação do guidão e das pedaleiras, mas tem de ser uma alteração no projeto original, não dá para adaptar.
Já no trecho de curvas, nada a declarar. Nem pense em pilotá-la como se fosse uma esportiva, porque o chassi é pesado, torce e as pedaleiras raspam no asfalto com facilidade. É preciso enfrentar as curvas como se realmente estivesse nos anos 50. Tente se imaginar com uma jaqueta de couro, capacete aberto e curta a estrada sem a menor pressa. Até porque não adianta.
Neste percurso sinuoso, devo elogiar também o freio dianteiro a disco, muito eficiente, mas que perecia manete regulável, porque depois de algumas frenagens seguidas minha mão direita cansou. É fácil de resolver com uma manete regulável, vendida no mercado de acessórios. Já o freio traseiro a tambor é suficiente para controlar a velocidade no uso urbano, mas percebi que o modelo avaliado estava com o tambor ovalizado.
[su_slider source=”media: 9777,9779,9780″ link=”image” target=”blank” title=”no” pages=”no”]
E como a Royal Enfield venceu o Six Days Scottish Trial, em 1957, com Johnny Brittain, não resisti a tentação de pegar uma terra, justamente depois de dois dias de chuvas torrenciais. Olha, sou um motociclista bem eclético, porque nos anos 70 viajava de Honda CB 400Four por estradas de terra, normalmente. Portanto, sou de um tempo que moto era para enfrentar de tudo. Essa Bullet me surpreendeu positivamente porque o motor tem uma entrega de potência tão suave que mesmo abrindo o acelerador, ela não sai chicoteando pra todo lado. Parece até um controle de tração. Peguei uma subida toda enlameada e fomos de boa até chegar o asfalto. Arrisco afirmar que é possível enfrentar longos trechos de terra, até porque, na Índia, as estradas de asfalto são um luxo das cidades industrializadas.
As suspensões aceitaram bem o piso irregular. Trata-se de um conjunto simples, com garfo telescópico na frente e dois amortecedores reguláveis atrás. Mantive na posição intermediária o tempo todo.
Outro destaque é o jogo de ferramentas como antigamente, com chaves de bom tamanho, resistentes e funcionais. Não estão ali só para cumprir exigências burocráticas.
Charme e classe
Uma pergunta difícil de responder é: vale a pena investir R$ 18.000 nesta moto? Do ponto de vista essencialmente mercadológico, é claro que tem opções mais modernas de 250 cm3 zero km, com a mesma faixa de potência (a RE tem 27,2 CV a 5.250 RPM). Mas, e o charme? Posso responder por mim: sim, compraria uma Bullet sem qualquer receio. Porque moro em uma cidade violenta, já tive quatro motos roubadas a mão armada e a moto é muito charmosa. É a única chance de ter uma moto antiga zero km! Além de ser o modelo mais longevo da história.
Na minha hipotética Bullet, colocaria um pára-brisa, trocaria o guidão, mudaria o banco e até instalaria um escape não muito barulhento, mas que também remetesse ao ronco das inglesas dos anos 50. E mais: qual moto vendida no Brasil é fabricada praticamente à mão, uma por uma? Faz muito sucesso o vídeo do artista que faz os filetes dos tanques à mão. Se não viu, veja, no vídeo abaixo:
Talvez, o único item que não combinou são os piscas cromados, muito modernos para o estilo. Dá a sensação que foram instalados apenas para cumprir exigência legal. Na minha hipotética Bullet, eu trocaria essas setas por alguma com ar mais clássico, mesmo que fosse necessário fabricar.
Ao final do teste, fiz um cálculo de consumo bem pouco científico, porque não disponho de um medidor de vazão, mas acho fácil fazer entre 22 e 25 km/litro em ritmo normal. Algo totalmente dentro do padrão de motor, o que projeta uma enorme autonomia média de 320 quilômetros.
Se a ideia for uma moto urbana, que se destaca, imune a roubo, charmosa e com uma extensa lista de acessórios customizáveis, pode separar a grana. Principalmente para quem não se adapta aos scooters, mas quer uma moto simples, para deslocamentos curtos. Já imagino uma série de acessórios como mata-cachorro, luzes de neblina, bolsas laterais de couro, sem falar na linha de roupas da marca Royal Enfield, 100% de inspiração vintage.
Mas, por favor, nem pense em comparar essa Royal com qualquer outra moto do mercado brasileiro, porque, simplesmente, ela é única. Não tem comparação com mais nada!
Para mais detalhes, cores, versões e ficha técnica, visite o site: https://royalenfield.com/br/motorcycles/bullet-500
Fotos: Tite Simões e divulgação