Mercado de motos e o desafio de atrair novos clientes

Mercado de motos e o desafio de atrair novos clientes


Quem primeiro percebeu foi minha filha mais velha. Nós viajamos com um grupo de motociclistas e em um determinado ponto da viagem ela perguntou: “por que só tem velho andando de moto?”. Olhei em volta e vi que era verdade. OK, “velho” é um termo pouco pesado, mas ela, aos 30 anos, não viu motociclistas da mesma idade, nem abaixo.

E não foi só ela que se deu conta dessa realidade. As fábricas já detectaram que a idade média dos motociclistas está aumentando. Ou, se preferir, os jovens estão sumindo dos assentos. E que não está havendo uma reposição de motociclistas, ou seja, os velhos estão se aposentando (ou morrendo) e os novos estão desinteressados. Não é uma característica do mercado brasileiro, esta tendência está sendo observada na Europa e nos EUA.

Desde que comecei a ministrar cursos de pilotagem, em 1997, percebi que no segmento acima de 500cc é natural que os usuários fossem mais velhos, afinal é preciso bancar um veículo que não é barato. Mesmo assim era comum alunos com menos de 30 anos em caras motos esportivas. Depois fui observando que a faixa etária foi aumentando em todas as categorias de motos, inclusive nas esportivas. E mais: se rodar pelos boxes de uma etapa do campeonato de motovelocidade, da pra ver que os pilotos também envelheceram!

O que aconteceu com os jovens motociclistas?

Basta olhar em volta para perceber que o uso da moto mudou. Nos anos 70 a 90, era um veículo ainda muito ligado ao lazer e curtição. Depois passou a ser visto como uma opção de mobilidade barata e econômica, especialmente nos países em desenvolvimento e nas cidades com grande densidade demográfica.

Na Europa, os jovens a partir de 16 anos, começaram a usar motos e scooters como forma de se libertar do transporte público e da vigilância paterna. Já nos EUA, a moto sempre foi associada a lazer, e lá os jovens gostavam mesmo é de carros!

Hoje o perfil das cidades continua com as mesmas dificuldades de mobilidade, mas as vendas de motos estão caindo. Parte por uma crise econômica, que começou em 2008 e ainda reflete até hoje. Mas também, parte porque os jovens foram perdendo interesse em motocicletas. Aliás, os jovens estão perdendo o interesse por bens materiais e estão em busca de experiências de vida, sendo a principal delas viajar e conhecer novos lugares. A grana que seria gasta em veículos, está sendo investida em viagens.

Claro que o mundo é enorme e tem mercados, como Índia e China, que continuam produzindo e vendendo motos em quantidades estratosféricas. Já nos países desenvolvidos, a moto concorre com os gadgets, como telefone celular, tablets, etc. Além disso, na nova ordem mundial, queimar petróleo soa quase como um palavrão.

Juntando essas mudanças de perfil de compra com a preocupação ambiental, posso afirmar que tem muito jovem aderindo à bicicleta, não apenas por falta de grana, mas por estilo de vida mesmo. Para esse novo consumidor, não é mais chique emitir poluentes.

A resposta dos grandes fabricantes veio nos últimos salões internacionais: vários modelos na faixa de 250 a 400cc voltados diretamente ao público jovem. A primeira marca a sacar essa necessidade foi a austríaca KTM, que lançou as Duke 200 e 390, com o visual das grandes 600 ou 900, mas com preço acessível.

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Neste ano a BMW investiu um caminhão de dinheiro para produzir a dupla G 310 R e GS 310, ambas com foco no público jovem e a proposta é claramente fidelizar o cliente desde cedo!

A BMW acredita na 310 como forma de atrair novo público.

As marcas japonesas também apontaram nesse alvo, com produtos excitantes na faixa de 300 a 400cc, tanto esportivas, quanto trails, e até a nova tendência mundial das vintage/café-racer.

A Harley-Davidson correu para lançar modelos de 500cc e 750cc, de olho no público jovem e feminino. Também está investindo pesado na moto elétrica, já ciente dessa questão dos “anti-petróleo”, cada vez maior, especialmente nos EUA.

Outra marca que apontou a artilharia para os jovens americanos foi a Suzuki, que colocou no mercado nada menos do que quatro modelos, de 200 a 250cc, para todos os gostos: GSX 250R esportiva, DR 200S trail e duas já no estilo vintage: a TU 250S e a Van Van 200.

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No Brasil

O mercado brasileiro tem um potencial enorme para consumo de motos até 250cc. Não por lazer ou curtição, mas por necessidade mesmo. A minha geração (50 a 60 anos) começava a pilotar motos na adolescência, por pura paixão. Hoje, o jovem vê na moto uma oportunidade de trabalho – fretista ou taxista – ou até como mobilidade urbana. É normal ver a moto como o primeiro veículo motorizado de uma família, coisa rara 30 anos atrás.

Por isso, o consumo de motos nas faixas de 100 a 250cc até caiu nos últimos anos (como tudo), mas está garantido por uma demanda até cinco vezes maior do que produzimos atualmente, especialmente nos estados do norte/nordeste. Mas como atrair o jovem classe média para as motos?

No estande da Honda, no último Salão Duas Rodas, tinham algumas dicas. Dois produtos de visual totalmente moderno, destinado a atrair os novos motociclistas: o Zoomer-X, com motor de scooter de 110cc e até um espaço para colocar o skate, e a MSX 125 Grom. Os dois modelos fizeram muito sucesso, especialmente com as crianças, porque parecem mesmo motos de brinquedo e esta é a chave para destravar esse mercado: chamar a atenção de quem ainda não tem idade para ser motociclista. Criar o desejo de consumo antes mesmo de ser capaz de consumir.

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Outra forma de trair os jovens, é lançar mão do lifestyle. Se vintage está na moda, então que se produzam motos e scooters neste conceito. Por exemplo, a certeira tacada da Triumph ao lançar a série Bonneville, totalmente inspirada nas clássicas dos anos 50. O alvo era um público saudosista, mas atingiu em cheio os jovens descolados. A Ducati também mirou no alvo ao lançar a interessante Scrambler em várias versões, só que no Brasil, trouxe apenas o motor de 900cc, o que pode assustar um pouco quem está entrando no mercado.

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No curso ABTRANS de Pilotagem, já tive a chance de atender alunos que compraram a Scrambler como primeira moto da vida e ficaram muito assustados com a aceleração. Para esse público, o ideal seria uma versão na faixa de 400cc, que já existe, mas não vem pro Brasil.

Uma marca que está pegando carona nessa onda vintage, mas com uma moto fácil de pilotar, é a Royal Enfield e suas versões de 500cc. Também já atendi alunos que enxergaram nessas indianas a chance de ter uma moto diferente, fácil de pilotar, sem ficar com “cara de motoboy”. É uma opção que agrada não só os jovens, mas também o público feminino.

A marca inglesa – fabricada na Índia – é uma opção entre os jovens que não querem ficar com cara de motoboy.

Graças à minha vivência como professor, recebo diariamente consultas com a mesma dúvida: quero começar a usar moto, qual devo comprar? Pense numa resposta difícil! Alguém que nunca pilotou uma moto, seja jovem ou não, tem hoje um leque tão grande de modelos, que realmente precisa de ajuda. Normalmente a dúvida é sobre as diferenças entre scooters e motos.

Entre os que optam pelo scooter, percebo um denominador comum: querem se distanciar da imagem de “motoqueiros”. E também de motociclistas! Querem apenas um veículo fácil de pilotar, simples, barato, econômico e que passe entre os carros. Não querem fazer parte de tribo nenhuma, nem tatuar a marca da moto no braço. Querem mobilidade com racionalidade.

Esta pode ser a tábua de salvação do mercado para atrair os novos consumidores. Quem viu os modelos da Piaggio no Salão, pôde confirmar que são a união entre a beleza e a praticidade, especialmente os modelos Vespa, com aquele charme irresistível dos anos 60. A Piaggio também está investindo pesado em scooters elétricos. Não pelo aspecto econômico, já que motos pequenas são naturalmente muito econômicas, mas pelo apelo ambiental e já de olho nos jovens que não querem assumir o papel de liberadores de poluentes. Por enquanto, a marca italiana tem versões equivalentes a 50cc, para atender o mercado europeu, mas em breve terá opções mais potentes.

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Segurança e saúde

Para entender o desinteresse dos jovens pelas motos, é preciso também despir a roupa de cidadãos urbanos. Quem vive nas capitais, tem uma realidade bem diversa do que rola nas pequenas cidades, onde a moto é ainda o sonho de consumo de novas gerações. Só que o grosso do consumo está nas capitais, especialmente São Paulo, com seu trânsito fazedor de doidos. Nem precisa ser um gênio para perceber que a somatória de um trânsito caótico e violento, com a ridícula aprendizagem nas moto-escolas, produz como resultado um número enorme de vítimas. E a mídia adora vitimar o que já é vitimado! Um atropelamento é só mais um acidente de trânsito; mas uma batida de moto (ou agora de bicicleta) ganha um destaque muito maior.

Desde que inventaram a imprensa, sabe-se que sangue vende. Por isso é cada vez mais difícil ler artigos colocando a moto como solução de mobilidade urbana, mas apenas como algo perigoso que pode matar e aleijar inocentes.

Nas grandes cidades, também temos de conviver com a realidade de uma segurança pública tão ineficaz, que faz o roubo de veículo se tornar um rentável e facílimo meio de vida. A ponto de ladrões postarem fotos de motos roubadas nas redes sociais, sem que isso provoque nenhum tipo de repressão ou investigação.

Para completar, os agentes de trânsito elegeram a moto como o alvo mais fácil de garantir a lucratividade do serviço de aplicação de multas. Enquanto motoristas desfilam tranquilamente com seus carros caindo aos pedaços ou com película tão escura quanto um pneu, os motociclistas são parados constantemente em blitz ou multados, por “não manterem uma distância segura dos outros veículos”, seja lá qual for o sistema métrico usado nessa disfarçada forma de proibir o trânsito nos corredores entre os carros.

Em suma, numa cidade como São Paulo, o “neo motociclista” tem a chance de ser multado, assaltado ou esmagado. Ou as três coisas ao mesmo tempo. Quem vai querer entrar nessa estatística?

Não é uma visão pessimista, acredite, porque o mercado já começou a esboçar uma reação, embora esteja anos-luz do que já foi um dia. Só acho que está na hora de os fabricantes, montadores e importadores, começarem a se mexer se quiserem formar novos clientes, até porque, um dia os que já estão velhos se tornarão apenas lembranças.

Ações como campanhas para melhorar a imagem da moto, lançar (ou adaptar) produtos voltados ao público jovem, cobrar clareza nas políticas públicas de redução de acidentes e de roubo de veículos, exigir uma formação mais adequada de novos condutores, são apenas alguns passos para reverter essa imagem.

Ou as marcas começam a atrair os novos motociclistas ou terão de diversificar a atividade produzindo novos, modernos e tecnológicos telefones celulares.

 

Tite Simões – Jornalista, instrutor de pilotagem dos cursos SpeedMaster e ABTRANS de Pilotagem (www.abtrans.com.br)

Contato: info@abtrans.com.br

 

Fotos: Divulgação.

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Emilio Camanzi

Emilio Camanzi

Emilio Camanzi  é um jornalista experiente e formador de opinião, com mais de 56 anos de trabalho dedicados a área automobilística. Seu trabalho sempre foi norteado pela busca da seriedade e credibilidade da informação. Constrói suas matérias de forma técnica, imparcial e independente, com uma linguagem de fácil compreensão. https://www.instagram.com/emiliocamanzi/ 🙋 PARCERIAS: comercial@carroscomcamanzi.com.br

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