Como a tecnologia vai mudar o design dos carros
Faróis de LED, motores elétricos e telas digitais vão promover a maior transformação no visual dos automóveis em mais de 100 anos
Peça a qualquer pessoa para desenhar um carro visto de frente. A maioria vai esboçar as mesmas linhas: dois faróis de cada lado e uma grade no meio. Faz sentido, afinal os automóveis têm sido basicamente assim nos últimos 100 anos. Mas isso começou a mudar.
A tecnologia deu um salto evolutivo tão grande nos últimos anos que está modificando o design dos carros como nunca imaginamos. Já pensou em um automóvel com oito faróis? Um segundo porta-malas na parte dianteira? Portas lisas sem espelhos? Painel sem botões? Tudo isso que era impensável até pouco tempo atrás já deixou as pranchetas dos designers e está ganhando as ruas em veículos de produção em série.
Um dos maiores responsáveis por cruzar essa fronteira estilística são as novas tecnologias de faróis, especialmente os de LED. Eles ocupam pouco espaço, têm baixo consumo de energia, iluminam mais e, principalmente, permitem um uso mais flexível. Os diminutos pontos de luz podem ser agrupados em blocos grandes, pequenos e até mesmo em linhas retas e curvas. Ou qualquer outro arranjo cuja sua imaginação ousar sonhar.
Dois exemplos me vêm à mente agora. Um dos mais interessantes é a picape Hyundai Santa Cruz, que foi apresentada nos Estados Unidos em abril e pode desembarcar no Brasil para concorrer com a Fiat Toro. O modelo coreano possui oito pequenos faróis que se camuflam no desenho da grade frontal de tal maneira que, ao apagar as luzes, a dianteira parece não ter faróis.
O monstro elétrico GMC Hummer EV faz algo parecido, porém em outra direção. Aquilo que seriam os faróis tradicionais nas extremidades se fundem àquilo que seria a grade. Mas, de fato, trata-se de uma longa fileira de elementos transparentes ilumináveis, que escondem outro truque. Os antigos modelos Hummer tinham uma enorme grade com sete barras verticais que resultavam em seis aberturas. Já na versão moderna, a releitura desse conjunto traz seis blocos ópticos que deixam o nome do modelo em destaque ao serem ligados.
Uma das grandes vantagens dos LEDs em um farol automotivo é que podem ser iluminados individualmente ou até mudar de cor, o que no caso deste Hummer se traduz em uma segunda funcionalidade. Quando o veículo está sendo recarregado na tomada, um segmento do farol se transforma numa barra de LEDs sequenciais, que vai mostrando o aumento gradativo do nível da bateria.
AS GRADES ESTÃO SUMINDO
No início do século 20, todos os automóveis eram basicamente iguais, com aquela cara de Ford T. Havia dois faróis redondos e, entre eles, instalava-se o radiador, uma peça quadradona que ajudava a resfriar o motor, já que ele gerava muito calor devido à queima do combustível.
Ao longo dos anos, os designers resolveram esconder o radiador atrás de uma grade, que permitia a passagem do fluxo de ar para refrigerar o motor, mas criava um desenho que poderia ser alterado de um ano-modelo para o outro.
Com a chegada dos veículos elétricos, os estilistas perceberam que a grade não era mais necessária do ponto de vista funcional. O motor elétrico até gera calor, mas longe do que o ocorre com os motores a combustão.
Alguns fabricantes até decidiram manter a grade como um elemento de identificação estilístico com a história da empresa, como fez a BMW com o seu novo SUV chamado iX, que ganhou uma peça ainda maior que o normal, só que não é mais vazada.
Outras marcas foram pelo caminho oposto: aboliram o conceito da grade, como podemos ver no Tesla Model 3. Essa deve ser a solução da maioria dos fabricantes de veículos elétricos, não apenas porque cria um enorme diferencial em relação ao padrão atual, mas também porque sua ausência melhora a aerodinâmica e, por consequência, aumenta a autonomia da bateria – não há mais aquela entrada engolindo o ar e oferecendo uma resistência desnecessária.
Como os motores elétricos são bem mais compactos que aqueles a combustão, eles estão dando asas à criatividade dos projetistas automotivos. O capô dianteiro poderá ser mais baixo (ponto positivo para a eficiência aerodinâmica novamente), a primeira fileira de bancos poderá ser deslocada mais para frente e seria possível até criar um veículo esguio, baixo e alongado, porque hoje já se pode colocar um pequeno motor elétrico junto a cada roda, sem perder desempenho.
Outro benefício da eletrificação é o surgimento de um segundo porta-malas, desta vez na dianteira, onde hoje fica a maioria dos motores a gasolina. O próprio Hummer EV tem essa opção, mas a recém-lançada picape Ford F-150 Lightning tem celebrado essa vantagem na sua publicidade, mostrando a um consumidor que valoriza capacidade de carga que cabem 400 litros de bagagem escondida sob seu capô – bem mais que num Honda Fit, com 363 litros.
ADEUS, BOTÕES!
A revolução visual também está transformando o interior dos automóveis. O avanço da eletrônica veicular fez as telas digitais invadirem as cabines. Se antes estavam restritas a monitores que só exibiam informações, agora todas são sensíveis ao toque, o que permite ajustar diversas funções do automóvel, do sistema de som ao ar-condicionado, passando pelos ajustes elétricos do banco.
Com isso, os botões físicos estão sendo eliminados, tanto para baixar o custo de produção quanto para deixar o ambiente interno mais minimalista e moderno. O resultado é que as telas se tornaram maiores e onipresentes. O exemplo mais evidente talvez seja o Ford Evos, cujo painel é dominado por uma única superfície digital de 1,10 metro de comprimento.
E mesmo quando a tela não é tão avantajada assim, ela agrupa todos os comandos possíveis, de modo a deixar o interior do veículo com um visual limpo, estéril, quase futurista. Não é à toa que esse recurso foi utilizado no Tesla Model 3.
O curioso é que alguns fabricantes estão trazendo de volta alguns comandos físicos para trabalhar em conjunto com as telas. Descobriu-se que eles são mais intuitivos e seguros de manusear, pois o motorista não precisaria desviar a atenção da estrada para procurar os ajustes dentro de infindáveis menus em um monitor, que ainda pode sofrer com reflexos da luz em países com alta incidência solar.
As mesmas telas eletrônicas devem eliminar em breve outro equipamento que acompanha os automóveis há décadas: os espelhos retrovisores externos. Eles sempre foram um mal necessário: de um lado melhoravam a segurança, do outro ofereciam maior risco de quebra acidental e prejudicavam a aerodinâmica. Se fossem pequenos demais, reduziam a visibilidade; muito grandes, aumentavam a resistência à passagem do ar.
Até que a tecnologia encontrou a solução: instalar câmeras na carroceria que filmam o entorno e exibem a imagem num monitor próprio. Hoje o SUV elétrico Audi e-tron já é equipado com esse sistema, que se mostrou tão funcional que foi adotado pela Mercedes-Benz em um de seus caminhões vendidos no Brasil, o Actros. No caso do veículo pesado, o sistema MirrorCam reduz em até 1,3% o gasto com combustível nas rodovias.
E o que mais será que nos aguarda nessa nova fronteira do design automotivo?
Fotos: divulgação
Consultor do mercado automotivo e jornalista especializado na área há 27 anos, Zeca Chaves foi editor do caderno Veículos da Folha de S. Paulo e trabalhou por 19 anos na revista Quatro Rodas, onde foi redator-chefe. Também é produtor de conteúdo digital no Instagram @zeca_chaves
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