Viajar é uma viagem! – Dicas para quem quiser viajar de moto

Viajar é uma viagem! – Dicas para quem quiser viajar de moto


Por 10 anos trabalhei em uma revista especializada, que trazia todos os meses alguma viagem de moto relatada por um leitor. Como eu era o responsável por editar tais viagens e transformá-las em um artigo publicável, percebi que nem todo mundo encara uma viagem da mesma forma. O que para alguns pode ser uma aventura arriscada, cheia de emoções, para outro é um passeio no parque.

O tamanho da viagem não tem a menor importância, o que vale é a iniciativa de partir.
Viajar de moto é um dos grandes prazeres que o veículo oferece. Costumo dizer que o uso da moto no dia a dia é a parte chata, bom mesmo é estrada! Pode ser reta, cheia de curvas, de pista dupla, simples, de asfalto ou de terra. O legal é estrada. E tudo que um motociclista precisa é a vontade.

Hoje em dia tudo se tornou bem mais fácil, graças à internet e aos aparelhos de navegação por satélites. Antes era preciso comprar e estudar os mapas, sem saber se a estrada mudou, se fizeram uma outra melhor, se a ponte caiu etc. Os mapas era atualizados anualmente, mas ninguém conseguia ter certeza absoluta se encontraria aquelas mesmas condições. Confesso que a parte que eu mais gostava era justamente a pesquisa. Pegava o mapa e ficava estudando o roteiro, me imaginando naqueles lugares. Manusear os mapas era um romantismo à parte.

A partir do GPS eu simplesmente monto o equipamento no guidão, digito a cidade e coloco a moto na rota que o aparelho indica.

​Hoje com GPS para motos tudo ficou mais fácil (Foto:Tite)

Algumas pessoas defendem que motos pequenas não deveriam pegar estradas. Naqueles dez anos conheci todo tipo de viajante, e os que mais me chamaram a atenção estavam com motos de menos de 125cc. O primeiro foi um casal de japoneses que estava dando a volta ao mundo em duas pequenas motonetas de 100cc. Como eles eram bem de vida, a opção não foi por economia, mas, segundo eles “com motos pequenas podemos ver a paisagem; nas motos grandes vemos apenas o asfalto”.

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O outro viajante foi um rapaz muito simples, que saiu do interior do Rio Grande do Norte e foi até Aparecida pagar uma promessa. E fez com uma Honda CT 70 dos anos 1970 caindo aos pedaços, literalmente. Ele viajava com pouca bagagem, de sandália, dormia onde dava e comia o que lhe ofereciam. Graças a ajuda de muitos amigos, consegui equipamento, uma reforma na moto e ainda uma verba de apoio.

Tudo isso para dizer que não existe essa coisa de que é preciso uma moto grande para viajar. Como já descrevi, o que precisa é a vontade de partir.

Preparação

Atualmente as motos são muito confiáveis. No meu tempo tinha de levar um kit de ferramentas profissionais, alguns metros de arame e até peças sobressalentes. Além de profundo conhecimento de mecânica. Nunca fiquei na estrada nem tive de rebocar a moto, sempre dava um jeito de chegar pilotando.

Felizmente isso ficou no passado. Hoje as motos são super confiáveis, só recomendo uma revisão básica (óleo, filtro, lâmpadas e pneus) e pé na estrada. Só se for encarar uma viagem mais longa, por regiões sem assistência técnica, é preciso preparar alguns itens mais comuns de reposição como manetes, lâmpadas de farol e lanterna e, se for o caso, uma câmara de reserva.

Diria que o mais importante hoje em dia é a preparação da bagagem. Entre os itens que não podem faltar, estão a capa de chuva e as malhas tipo segunda pele, que são peças coringas em qualquer viagem. A capa de chuva serve não apenas para proteger da chuva, mas caso a temperatura caia além do previsto, ela ajuda a manter o corpo aquecido. A mesma função tem a segunda pele, que ajuda a manter a temperatura do corpo (tanto no frio quanto no calor) e é muito prática, porque pode ser lavada numa pia e seca muito rápido.

Na fase de preparação da viagem é legal pesquisar o clima da região e a probabilidade de chuvas fortes. A chuva sempre atrapalha, mas em alguns casos pode encerrar uma viagem. Já aconteceu comigo de um rio transbordar e levar a ponte embora. Tive de dormir em uma igreja e voltar um pedação da estrada. E todo mundo – menos eu – sabia que as inundações eram freqüentes naquela época do ano.

Dois itens importantes que não podem faltar para qualquer viajante, seja lá em qual veículo: canivete e lanterna de cabeça (headlamp). Impressionante como essa dupla salva de várias roubadas.

Para quem ainda não formou calo na bunda, recomendo começar por uma viagem pequena, tipo bate-volta, que fique entre 250 e 300 km no total. É preciso ver como o corpo vai reagir, se a moto provoca cansaço ou dor em alguma região do corpo, se sacrifica a coluna etc. Nas primeiras viagens é bom parar a cada 100 km para alongar as pernas e pescoço. A maior probabilidade de câimbra é nas panturrilhas, também conhecidas como “batatas da perna”. Se não der câimbra durante a viagem, pode esperar para o meio da noite, quando estiver dormindo.

E não se deixe levar pela aparência da moto. Às vezes o que parece muito confortável é um sofrimento, e aquela que parecia uma carroça é uma delícia. Durante um ano, viajei a cada 15 dias na rota São Paulo-Florianópolis-São Paulo, sempre com uma moto diferente. E posso afirmar que esse casamento entre moto e piloto tem muito a ver com as dimensões dos dois e até do gosto pessoal. Recentemente viajei com uma Honda NC 750X, que achei sob medida para meu tipo físico e para o estilo de viagem que gosto de fazer, que pode incluir trechos de terra – ou asfalto péssimo – no caminho.

Bagagem

Não tem nada mais chato do que levar mochila nas costas. Eu me sinto como se tivesse um pára-quedas! Por isso gosto de amarrar tudo na moto, mesmo que não tenha bagageiro. O conselho que costumo dar é: leve realmente só o necessário! Seja racional com a carga, porque peso e volume não combinam com moto. Nas minhas viagens eu usava o seguinte ritual: colocava tudo em cima da cama, dava uma boa olhada e tirava uns 30% de coisa. Nunca fizeram falta!

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Outra dica esperta é embalar tudo em sacos plástico, em vários volumes, assim no caso de chuva, não molha toda a bagagem.

O ideal são bolsas laterais ou topcase, aquele baú instalado no bagageiro. Só respeite o limite de carga, porque por estar fixado atrás do eixo traseiro, o excesso de peso no baú pode gerar instabilidade na frente da moto. Isso mesmo, é que nem uma gangorra: abaixa de um lado e levanta do outro.  Por isso prefiro as malas laterais, que ficam perto do eixo traseiro e o peso mais perto do chão.

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Se tiver de carregar mochila, deixe as alças bem ajustadas para não ficarem chicoteando o corpo. Elas chegam a bater no capacete e fica aquele tuc-tuc-tuc a viagem toda!

Ah, mas às vezes tem uma pessoa que vai na garupa! E essa pessoa pode requerer mais espaço para bagagem. Aí nem perca tempo tentando negociar, deixe pelo menos ¾ do espaço para ela e se contente com o que sobrou. Só convença a deixar o secador de cabelo em casa. Assim como o ferro de passar!

Nem todo mundo tem a mesma paixão pela moto, nem o mesmo preparo físico, portanto respeite os limites também de quem vai na garupa. Se perceber que a pessoa estiver “pescando” é sinal de sono, e pode até cair da moto. Pare e faça uma pausa para café. O desconforto pode atingir também quem viaja na garupa, por isso combine paradas de comum acordo e esteja disposto a fazer concessões.

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Planejamento

No Brasil temos a facilidade de encontrar postos de gasolina em abundância. Mesmo assim, se for atravessar longos trechos, programe as paradas de abastecimento de acordo com a autonomia da moto. Calcule o consumo médio, multiplique pela capacidade do tanque e terá uma média da distância percorrida com um tanque cheio. Por exemplo, se a moto fez uma média de 25 km/litro e o tanque tem capacidade para 15 litros, a autonomia média é de 375 quilômetros. Dê um desconto de segurança, quando chegar a 300 km é hora de achar um posto de abastecimento.

Como eu gosto de rodar muito e parar pouco, geralmente só paro para descanso ou um lanche a cada tanque de gasolina. Menos quando viajo com garupa, aí prevalece as necessidades do(a) passageiro(a).

Documento e burocracia

É um saco, mas já passei pela situação de ter a moto apreendida porque esqueci de fazer o licenciamento. Foi a única vez em 40 anos como habilitado, mas deu um trabalho danado. Sem falar nas multas e a sensação horrível de ver sua moto sendo levada na caçamba de um guincho!

Por isso, perca um tempo olhando toda a documentação da moto e do piloto. Se for atravessar fronteiras, lembre que alguns países exigem que os veículos estejam com documento no nome do motorista. Ou tenha uma autorização do proprietário, com firma reconhecida e toda burocracia possível. Antes de sair viajando, consulte a representação diplomática dos países que planejar visitar, para se informar se precisa mais algum documento especial. Da mesma forma, certifique-se sobre legislação e equipamentos obrigatórios.

Segurança

Tem gente que jura de pés juntos que gosta de viajar à noite. Eu posso afirmar de peito aberto que não me incomoda. Mas como a moto é justamente um veículo que permite interação total com a paisagem, não faz muito sentido viajar enxergando apenas um pedaço de asfalto. Viajar com luz do dia é sempre muito mais agradável e seguro.

Também evite rodar na chuva, a menos que seja impossível parar com segurança. Por vezes, é melhor gastar uma diária em hotel ou motel do que encarar quilômetros de estrada sob o desconforto da chuva, sem falar na falta de visibilidade. Em hipótese alguma pare sob pontes ou viadutos para esperar a chuva passar. NUNCA! É comum acidentes com veículos parados no acostamento. Só pare em local seguro, afastado da estrada.

Não existe remédio para combater o sono. Nada! O único remédio para o sono é dormir, mesmo que seja por 15 minutos. E não acredite nas pessoas que dizem ser impossível dormir pilotando uma moto, porque eu mesmo já cochilei várias vezes. Hoje eu levo uma pequena rede de náilon na bagagem. Se o sono apertar, basta encontrar um posto de gasolina que tenha ganchos de rede (ou duas árvores no jeito) e cochilar à vontade.

​ Um cochilo de 15 minutos pode acabar com o sono (Foto: Tite)

E para quem não consegue viajar sozinho, outra dica: existe um provérbio que diz que as aves só voam com outras da mesma plumagem. Ou seja, saiba quem são os outros que irão na viagem, para criar um grupo homogêneo. Existem motociclistas e motos de todo tipo, e algumas misturas podem dar errado. Se perceber que o ritmo da viagem está fora do padrão, seja sincero e apenas sugira um ponto de encontro. Aí cada um segue no ritmo que sentir mais confortável e depois todos se unem. Só não tente acompanhar se sentir alguma dificuldade. É melhor chegar um pouco depois do que não chegar.

Sou do tipo mais solitário mesmo e raramente viajo em grupo. Grupo pra mim são três motos, no máximo. Além disso, ao contrário do que imaginam, gosto de viajar muito devagar. Quem conhece meu passado como piloto de motovelocidade, acha que gosto de correr na estrada. Mas correr é muito bom na pista, não na estrada. Minha velocidade máxima raramente passa de 100 km/h, justamente porque sempre defendi que o melhor da viagem de moto não é o destino, mas a jornada.

​Viajar de moto é um grande prazer (Foto:Caio Mattos)

 

 

Fotos: Tite Simões, Caio Mattos, Kawasaki, Hugo Yamamoto e Vespaparazzi.

 

Tite Simões – Jornalista, instrutor de pilotagem dos cursos SpeedMaster e ABTRANS de Pilotagem (www.abtrans.com.br)

Contato: info@abtrans.com.br

 

 

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Emilio Camanzi

Emilio Camanzi

Emilio Camanzi  é um jornalista experiente e formador de opinião, com mais de 56 anos de trabalho dedicados a área automobilística. Seu trabalho sempre foi norteado pela busca da seriedade e credibilidade da informação. Constrói suas matérias de forma técnica, imparcial e independente, com uma linguagem de fácil compreensão. https://www.instagram.com/emiliocamanzi/ 🙋 PARCERIAS: comercial@carroscomcamanzi.com.br