Estávamos em meados dos anos 70 e a Fiat surgia no mercado brasileiro com o 147, um hatch conceitualmente moderno, de pequenas dimensões externas, bom espaço interno e o ineditismo de câmbio e motor transversais, que logo no final dos anos 70, já oferecia uma versão 1.300 cm³. O Fiat 147 1300 tinha mais torque e potência, e começou a despertar a atenção do consumidor brasileiro.
Para combater o crescente sucesso do pequeno Fiat, a VW tinha apenas o Fusca, vendido em um volume maior na sua versão 1300 L. O problema é que o Fusca era um carro pré-guerra, dos anos 30, com um projeto robusto, mas pra lá de obsoleto. Mesmo tendo passado por uma série de melhorias ao longo de décadas, ainda ficava muito aquém do moderno 147 em diversos aspectos. Assim, depois do lançamento do Passat em 1974, a VW dedicou suas atenções no carro que seria o substituto do Fusca no Brasil: o Gol.
Ele, além de ser moderno, teria todas as características que levaram o Fusca ao seu patamar de sucesso: resistência mecânica, manutenção fácil, boa oferta de peças de reposição, direção descomplicada e economia de combustível, sabendo que deveria beber aquela péssima gasolina nacional da época. Difícil unir tudo isso em um projeto moderno e barato para substituir o Fusca, mas encararam a missão.
Primeiro o Gol começou a nascer nas pranchetas dos projetistas, e depois seguiu para o desenvolvimento junto à engenharia. Com lançamento previsto para 1980, lá para meados de 1978 os primeiros protótipos do novo hatch já rodavam em testes de resistência. Levando a sério os conceitos de robustez, manutenção fácil e grande oferta de peças, optaram pelo uso do mesmo motor 1300 do Fusca. Até pela sua capacidade cúbica, trazendo uma identificação com seu rival Fiat 147 1300.
Como a Fiat tinha o motor 1300 apenas nas versões esportiva (Rallye) e topo de linha (GLS), o marketing da VW pensou que o consumidor do seu novo carro ficaria feliz em levar para casa um 1300 desde a versão básica. Estrategicamente, isso poderia ser um atrativo de vendas para o promissor hatch. Mas, devemos lembrar que o motor 1300 do Fusca tinham parcos 46 cv brutos (SAE), ou cerca de 38 cv líquidos (ABNT). Insuficientes para um brilho no desempenho do novo carro, vale falar.
Por isso, ainda em meados dos anos 70, mandou-se o motor 1300 do Fusca para a competente Porsche na Alemanha. A famosa marca de Stuttgart ficou encarregada de atualizar aquele antigo projeto, transformando-o em uma usina de força a altura do moderno Gol. Um trabalho que não foi feito do dia para a noite, e não deve ter custado nem um pouco barato, pois a Porsche vendia caro a sua tecnologia. Os alemães começaram a trabalhar nas câmaras de combustão, que, com um desenho pouco favorável, não permitia o uso de taxas de compressão muito altas, além de não produzirem a combustão mais eficiente. A queima total da gasolina não era convertida em potência e força.
Fizeram um belo trabalho, convertendo as câmaras de combustão simples do projeto original em trabalhadas câmaras hemisféricas. Assim, o combustível era queimado de forma mais homogênea, culminando com pressão total da combustão na cabeça dos pistões. Para que isso fosse possível, foi necessário inclinar as válvulas, que originalmente eram paralelas. Fundiram um novo cabeçote, com outro desenho de câmaras, e criaram um outro balanceiro, de maneira que abrisse e fechasse com eficiência as novas válvulas inclinadas. Coisa de mestre, pois utilizava ainda o comando de válvulas central, com tuchos e varetas.
Esse novo desenho das câmaras permitiu também uma taxa de compressão mais alta: ao invés dos 6,6:1 do Fusca 1300, o Gol 1300 poderia trabalhar com 7,8:1, mesmo com a nossa pobre gasolina, bem saturada de enxofre. A engenharia da Porsche também notou que faltava alimentação: o único carburador de 30 mm e difusor estrangulado de 24 mm, além de produzir perdas nas tubulações da admissão, não garantia o melhor respiro ao motor.
Como, na época, a injeção de combustível era coisa de carrões importados de alto luxo, a solução encontrada pelos alemães foi a adoção de dois carburadores. Assim, o 1300 respiraria melhor, teria melhor enchimento dos cilindros, melhora no desempenho e redução de consumo: perfeito! Até então, seguiu-se com o mesmo bloco, virabrequim e bielas do Fusca, e nesse caso, apenas o pesado volante do motor foi trocado por outro emprestado do 1600, com maior embreagem, de acordo com o porte superior do Gol.
Além disso, como esse motor estaria disposto na dianteira no novo hatch, criaram outro sistema de arrefecimento, também: uma ventoinha de plástico e baixa inércia se encarregava de captar o ar admitido pela frente, resfriando cilindro e cabeçotes. Uma nova estrutura continha a tal ventoinha de baixa inércia, e, não por coincidência, era muito semelhante àquela utilizada pelos Porsche 911 e 912, esportivos de sucesso mundial. Um sistema de alta eficiência, permitindo que o lubrificante nunca trabalhasse acima dos 110ºC, mesmo em situações críticas, como subidas de serra com o carro carregado.
Pesando apenas 30 kg a mais que o antigo Fusca 1300, o primeiro Gol a ar podia transportar com mais conforto cinco passageiros e bagagens. Mas, quem manda nas fábricas é o cara dos custos, o tão temido setor financeiro. E quando aquele motor aperfeiçoado pela Porsche chegou ao Brasil, pronto para ir ao cofre do novo hatch, o pessoal dos custos começou a coçar a cabeça: primeiro ficaram incomodados com os dois carburadores, que iam reduzir a margem de lucro do novo carro, que pretendia ser vendido aos milhares. Depois, pensaram que os alemães teriam sido muito ousados com a taxa de compressão de 7,8:1, que deveria rodar também no calor do nordeste utilizando nossa fraca gasolina. Pensaram logo na situação de detonação do motor.
Para não correr riscos, a engenharia da VW brasileira foi conservadora, e lançou o Gol 1300 também com 6,6:1 de taxa, mesmo com as câmaras hemisféricas nos cabeçotes. É fácil entender: como não teríamos mais dois carburadores, era mantido o coletor de admissão com o carburador único de 30 mm e aquele estrangulador de 24 mm, o difusor. Assim, a tendência seria de misturas mais magras, pelas perdas de admissão, e a maior chance de detonação, também influenciada pelo complicado combustível. Não queriam problemas com Gol’s quebrados na garantia, por isso mantiveram os 6,6:1.
Infelizmente, daquele admirável projeto realizado pelos técnicos de Stuttgart, sobrou apenas a ótima ventoinha de baixa inércia e os cabeçotes de combustão hemisféricos. Na prática, isso fez com que o 1300 do Gol ficasse com apenas 50 cv brutos, ou 42 líquidos, um pífio ganho de 4 cv no resultado final. E olha que os investimentos foram caros…mas foi isso que sobrou do trabalho da Porsche.
Instalado no Gol, lançado em meados de maio de 1980, esse 1300 deixou o carro com um desempenho paupérrimo. Segundo testes da Revista Quatro Rodas na época, demorava infinitos 30,27s na prova de 0 a 100 km/h, sem passar dos 125 km/h de máxima. Uma decepção na época, tanto que, em 1981, já chegava ao mercado o Gol a álcool, com dupla carburação e melhor desempenho.
No ano seguinte, veio o 1600 do Brasília, com dupla carburação, e aí o hatch Gol foi para outro patamar de desempenho e satisfação. Conquistou o consumidor brasileiro, e dali em diante foi só sucesso, chegando aos 27 anos de liderança do nosso mercado. Mas, se dependesse apenas daquele primeiro 1300 a ar, não teria ido muito longe…
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