Os filhos atrevidos do Fusca

Os filhos atrevidos do Fusca

A década de 1960 foi um período importante para a indústria automotiva no Brasil. Foi nessa época que o Fusca ganhou nacionalidade brasileira. O popular da Volkswagen teve sua produção iniciada em 1959 e isto permitiu a expansão de fornecedores e distribuidores locais. O Fusca não foi o primeiro carro de passeio nacional. A primazia coube ao Romi Isetta, o micro carro com três rodas feito aqui entre 1956 e 1961. Mas o Fusca abriu caminho para a expansão da indústria e ofertas de automóveis de apelo mais esportivo, como o Karmann-Ghia, que utilizava sua base e motor.

Romi Isetta

Nessa mesma época, a Willys Overland do Brasil passou a fabricar o Interlagos, versão brasileira do Renault Alpine A110. Foi o primeiro esportivo nacional e trazia um elemento que acabou estimulando o surgimento de outros pequenos fabricantes: a fibra de vidro. O material leve, de fácil manuseio, dispensava investimento em prensas, o que tornava o processo fabril mais fácil e barato. Assim, era possível dar formas a carrocerias leves e instala-las em bases de outros modelos de produção.

Foi a combinação Fusca e fibra-de-vidro, que permitiu o surgimento de esportivos fora-de-série nacionais que marcaram época.

Karmann-Ghia

O Karmann-Ghia chegou ao mercado europeu em 1955. A ideia da VW era oferecer algo que fosse mais descolado que o Fusca, mas aproveitando a base do Sedan. Para a empreitada, os executivos da Volkswagen contrataram a Karmann, que já era parceira da marca desde 1948 e fabricava o Fusca conversível. Os projetistas da fornecedora alemã construíram um protótipo, mas acabou sendo rejeitado pela Volks.

Com as calças na mão, a empresa procurou o estúdio Ghia, na Itália, para tentar resolver a situação. Reza a lenda, que os italianos tinham arquivado um projeto que seria encaminhado para a Chrysler e o adaptaram para a plataforma do Fusca. Aí nasceu o Karmann-Ghia, um cupê compacto e atraente, com três volumes definidos e capaz de atender aos anseios de consumidores que buscavam automóveis com apelo mais esportivo, apesar do motor de 1.200 cm3 de cilindrada e 36 cavalos de potência não arrancar suspiros.

Em 1960, a Karmann se instalou no Brasil e iniciou a produção do esportivo em 1962. Para ganhar fôlego, em 1967 o modelo passou a contar com o motor VW 1.5 de 44 cv e, em 1970, o 1.6 de 50 cv. Ele ainda teve uma versão conversível. Nesse ano também foi lançada uma outra versão, a TC, que trazia o desenho fastback, com clara inspiração no Porsche 911. Em 1971 o Karmann-Ghia tradicional deixou de ser fabricado e, em 72, foi a vez do TC.

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Puma GT

O Puma foi o segundo filho do Fusca e substituiu o GT Malzoni, também conhecido como Puma-DKW, que utilizava o motor dois tempos de 1 litro e o chassi do DKW-Vemag. E ainda tinha tração dianteira, porém, com o fim da produção dos DKW em 1967, a Puma teve que se reinventar e em 1968 lançou um novo modelo, o Puma GT, que passou a utilizar a mecânica do Karmann-Ghia, com motor VW 1.5 refrigerado a ar e tração traseira, tornando-se também um Fusca na alma.

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Era a segunda geração do cupê e também a mais bonita. Seu desenho ganhou formas mais atraentes, com cadência fastback da carroceira, corte seco na traseira, como mandavam os Gran Turismo da época. Os faróis eram protegidos por uma bolha translúcida, assim como no Jaguar E-Type e na Ferrari 250 GTO. Como na lendária Ferrari e no Lamborghini Miura, não tinha a janela espia, detalhe que o deixava ainda mais agressivo. Em 1971 o esportivo ganhou versão conversível, a Spyder, que já utilizava motor 1.6 da VW desde o ano anterior.

Já em 1975, o esportivo chegava a sua terceira geração, sendo fabricado sobre a base da Brasília, o que fez com que o carro crescesse, ganhasse janelas posteriores e perdesse um pouco de seu charme. Na mesma época a Puma apresentou o GTB, que utilizava base e mecânica do Opala e se posicionava acima do “Puminha”.

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Lorena GT

Apresentado em 1968 como carro de corrida no Rio de Janeiro, o Lorena GT era uma copia do americano Ferrer GT. Tratava-se de um esportivo feito em fibra-de-vidro, lançado nos Estados Unidos em forma de kit, para ser montado sobre a mecânica de Volkswagens usados. Suas linhas foram inspiradas no Ford GT40, que era o orgulho americano naquela época.

As primeiras unidades tinham partes importadas, mas a partir de 1969, ele passou a ser totalmente feito no Brasil. O Lorena GT era equipado com motor 1.6 de 65 cv, que eram mais que suficientes para levar seus 600 quilos a 160 km/h. Porém teve vida curta e foi descontinuado em 1971, antes da chegada de uma nova geração com quatro lugares. O total de unidades produzidas é incerto, mas estima-se que tenham sido feitas cerca de 100 de forma artesanal e com diferenças de acabamento entre elas.

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SP1 e SP2

Filho legítimo do Fusca e projetado no Brasil, o SP1 e o SP2 chegaram em 1972 para ocupar a vaga do Karmann-Ghia TC, que já não tinha mais aquele molejo. O cupê tinha formas agressivas, capô longo, traseira curta e lanternas afiladas como no Porsche 911. Na frente, ele adotava faróis da Variant (os mesmos da Brasília e TL) e, assim como os Karmann-Ghia, sua carroceria era de metal. Tinha 4,2 metros de comprimento e apenas 1,15 metro de altura. Sob o capô traseiro, o SP1 utilizava o motor 1.6, de 65 cavalos, que não lhe dava um bom desempenho. Foi descontinuado logo no início e foram fabricadas pouquíssimas unidades. Já o SP2 vinha com motor 1.7 de 75 cv e 13,2 kgfm de torque, que também equipava a perua Variant II. Porém, apesar da maior potência, ela também não era suficiente para levar os 890 quilos do modelo além dos 153 km/h. Motivo pelo qual a sigla SP, uma alusão ao Estado de São Paulo, passou a designar o esportivo como o “Sem Potência”. Foi produzido até 1975 e teve 11.123 unidades fabricadas.

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Bianco

O sucesso do Puma chamou a atenção de projetistas que desenvolviam carros para pistas, como o paulistano Toni Bianco. De origem italiana, ele já havia desenvolvido o Fúria, pouco antes, sob encomenda da FMN, para uso nas pistas. Em 1976, resolveu seguir os caminhos do Puminha e adaptou a saliente carroceria numa plataforma de Fusca, levando ele para o Salão do Automóvel de São Paulo.

O Bianco era um cupê de formas arrojadas, com para-lamas elevados, capô dianteiro baixo e um enorme para-brisa. Na parte frontal eram nítidos os faróis da Brasília, enquanto as lanternas traseiras redondas eram do Chevrolet Opala. Pequeno, o esportivo tinha menos de 3,9 metros de comprimento, mas parecia ser bem maior (em fotografias) devido à baixa altura e às pequenas rodas aro 13, que faziam dele um carrinho invocado.

Se o Fúria (de corrida) contava com um motor Alfa Romeo preparado para competições com mais de 150 cavalos, o Bianco fazia uso do motor VW 1.6 refrigerado a ar, de quatro cilindros contrapostos, que entregava 65 cavalos de potência e 11,7 kgfm de torque e que não lhe dava o desempenho que as linhas sugeriam. Apesar do bom comportamento dinâmico, graças ao baixo centro de gravidade, não passava dos 150 km/h. O Bianco ainda teve a Série 2 e a Tarpan, apresentadas em 1978, mas sua produção foi encerrada em 1979.

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Miura Sport

O Miura nasceu da ideia dos empresários gaúchos Aldo Besson e Itelmar Gobbi, fabricantes de acessórios automotivos, de desenvolver um esportivo fora-de-série. Com desenho inspirado no Lotus Esprit, o Miura era mais um esportivo de fibra construído sobre a base de um Fusca.

A apresentação aconteceu no Salão do Automóvel de 1977 e chamou atenção pelo estilo. Seu visual era elegante e foi finalizado por Nilo Laschuk, de acordo com os rascunhos de Gobbi. O nome, nem é preciso mencionar, foi surrupiado do touro espanhol que batizou o clássico que tornou a Lamborghini uma fabricante de esportivos respeitada no mundo todo.

O Miura brasileiro era cheio de manhas, tinha faróis escamoteáveis e seção frontal bem afilada, que fazia seu comprimento chegar a 4,30 metros, mas seu conjunto mecânico deixava muito a desejar. O motor 1.6 do Fuscão também não era capaz de entregar o que seu visual vendia. E para piorar, a suspensão do veterano da VW também faltava em comportamento dinâmico.

Em 1981 ele foi substituído pelo Miura MTS, que trazia mecânica do Passat, com motor 1.6 refrigerado a água, que resolvia um pouco a questão do desempenho, mas mantinha a velha suspensão inadequada. Daí em diante, o esportivo ganhou base de outros modelos VW como Passat e Santana, assim como motores refrigerados a água e montados à frente.

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Legítimos ou ilegítimos, de série ou fora-de-série, de fibra-de-vidro ou metal, estes esportivos ajudaram a escrever a história da indústria automotiva brasileira e permitiram que muita gente vivesse histórias mais que insólitas a bordo dessas máquinas!

Marcelo Iglesias Ramos

Jornalista | Design Gráfico

(31) 99245-0855

 

Fotos: Claudio Larangeira/Emilio Camanzi/Divulgação/Internet

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Emilio Camanzi

Emilio Camanzi

Emilio Camanzi  é um jornalista experiente e formador de opinião, com mais de 56 anos de trabalho dedicados a área automobilística. Seu trabalho sempre foi norteado pela busca da seriedade e credibilidade da informação. Constrói suas matérias de forma técnica, imparcial e independente, com uma linguagem de fácil compreensão. https://www.instagram.com/emiliocamanzi/ 🙋 PARCERIAS: comercial@carroscomcamanzi.com.br