O primeiro VW Gol a gente nunca esquece
Já vão mais do que 40 anos do meu primeiro Gol. Comprei o carrinho em meados de 1981, seminovo, fabricado em 1980, de único dono, com baixíssima quilometragem e pintado numa chamativa cor vermelho “bombeiro”. Na realidade, essa configuração era a primeira que havia sido lançado pela VW em abril de 1980. Como era a versão L, “Luxo”, ele já vinha completinho para os padrões da época, com tecido aveludado nos bancos, painel de instrumentos com econômetro (uma espécie de vacuômetro com escala colorida para ajudar o motorista na condução econômica), odômetro parcial e um conta-giros que eu mandei colocar.
Pesando pouco mais de 800 kg, com pneus radiais de série e freios a disco, meu Golzinho tinha uma dinâmica das boas, graças as suspensões McPherson na dianteira e eixo de torção na traseira. A caixa de direção era do tipo pinhão e cremalheira, bem precisa e leve, mesmo sem assistência alguma. A geometria de suspensão favorável e o peso reduzido do powertrain ajudavam.
Fui seduzido por suas linhas atraentes, que lembravam as do Scirocco, um sucesso europeu da época. Mas o carro, apesar de simpático, tinha um sério problema: sua performance era muito fraca com relação aos carros de mercado da época, como o arquirrival Fiat 147, também 1300. Os 50 cv do Golzinho 1300 arrefecido a ar mostravam-se insuficientes para seu porte e peso. Só para que se tenha uma ideia, no primeiro teste que a revista Quatro Rodas realizou com o Gol, inclusive um idêntico ao que tive, ele acelerou de 0 a 100 km/h em 30,27 segundos, atingindo a velocidade máxima de 124,7 km/h.
Valores complicados mesmo para os anos 80, e semelhantes aos obtidos pela Quatro Rodas no teste do DKW Belcar 1961! Ou seja, o projeto novo do Gol o colocava em pé de igualdade com um carro 20 anos mais velho. E olha que o DKW tinha motor de 1 litro, menor que o 1.3 do VW. De fato, esses primeiros Golzinhos eram complicados na performance, e o meu não fugia à regra.
Inconformado, não tive dúvidas: resolvi trocar seu motor 1300 a ar. Lembrando que esse motor, antes de ser lançado no Gol, havia sido preparado pela Porsche na Alemanha, que tentou extrair o máximo daquele projeto antigo, emprestado do Fusca. Mesmo assim, não fazia do Gol um carro seguro nas ultrapassagens, nem tampouco ágil quando havia mais ocupantes além do motorista.
Nas minhas coisas, eu tinha um motor 1600 que havia montado aos poucos. Comprei carcaça, kit de cilindros e pistões, cabeçotes, volante, virabrequim, bielas e assim por diante. Estava pronto, mas parado, afinal ele equipou um Fusca 1600 que tive por quatro anos. Quando vendi o Besouro, instalei novamente seu motor original e guardei meu 1600 mexido.
Tinha nesse 1600 especial volante aliviado, virabrequim polido, assim como as bielas balanceadas, comando de válvulas esportivo AP3, pistões forjados de cabeça plana e cabeçotes trabalhados pelo saudoso amigo mecânico Rafaelle Cecere, um mago desse tipo de preparação. A polia da frente do motor era menor, fundida em alumínio e graduada. Na época que ele estava no Fusca, bebia gasolina especial, azul, e tinha 8,5:1 de taxa de compressão.
Na alimentação, dois carburadores Weber IDF de 40 mm, com corpo duplo, e eu dispensava o uso do filtro de ar. Preferia as cornetas abertas, moda da época, que também melhorava o respiro do motor. Também tinha escape 4 em 1 com silencioso. Com essa configuração, calculava que esse motor deveria render seus 85 cv a 6.000 rpm, mas nunca o coloquei num dinamômetro. O importante é que durou: era o motor do meu Fusca de uso diário por vários anos.
Quando fui instalá-lo no Gol, resolvi mudar o combustível de gasolina para álcool. E também não contava mais com o escape preparado, e tive que me contentar com o sistema original do carro. Tinha um pouco mais de contrapressão, afinal de contas o motor deixava de ser traseiro e passava a ser dianteiro.
Algumas alterações precisavam ser feitas: para utilizar álcool nos carburadores Weber, precisei desmontá-los completamente e dar neles um banho de cromo, evitando a corrosão pela acidez do álcool. Além disso, refiz a curva de avanço do distribuidor, tendo como referência aquela que os motores a álcool originais tinham. Claro que precisei calibrar tudo do zero, desde ponto de ignição até os giclês do carburador, um trabalho que não foi nada fácil. Assim, creio eu, sua potência deve ter subido para cerca de 88 cv, mantendo os 6 mil rpm de regime máximo.
O Golzinho ficou excelente. O desempenho patético do 1300 original transformou-se em uma verdadeira fera! Imaginem só que os 50 cv originais passaram a quase 90 graças aquele 1600 preparado. Fiz questão de não mexer nas relações do câmbio, para que o carro tivesse uma agilidade ainda maior. Uma opção seria trocar a relação coroa/pinhão 8/33, original do Gol 1300, por outra 8/35, semelhante à do VW SP2 1700. Mas preferi manter o câmbio curto, em prol da agilidade nas acelerações e retomadas, apesar de castigar um pouco o motor nas velocidades altas.
Agora sim, meu Golzinho vermelho era valente e acelerava como poucos. Como externamente não mexi em nada, conservando o visual de fábrica, ele tornou-se um verdadeiro “pega-trouxa”, ou “sleeper”, como chamam hoje em dia. Todos pensavam que era um lerdo 1300, mas, na realidade, ali escondia-se um 1600 preparado com quase 90 cv. O peso manteve-se ao redor dos 800 kg, então a relação versus a potência ficou muito mais interessante. Um carro bastante divertido, que só não ficou melhor pois cismei em utilizar álcool ao invés de gasolina azul. Por isso, apanhei muito com sua calibração. Na época, pouco conhecíamos sobre o álcool combustível para uso diário.
Depois de bons anos me divertindo com esse Golzinho, retirei meu 1600 preparado e instalei novamente o fracote 1300 original. Ele voltou a ser o carro lerdo de antes, que irritava qualquer motorista nas subidas ou quando estava cheio. Que fim levou? Não me lembro. Mas o importante é que do primeiro Gol a gente nunca esquece, principalmente se ele tiver um motor 1600 preparado…
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