Em 1973 meu pai comprou, na VW Brasilwagen do Cambuci (tradicional bairro de São Paulo), um Fuscão 1972, então com 1 ano de uso e ainda na garantia. A tal concessionária, aliás, existe até hoje, no mesmíssimo local. Na época, o carro seminovo estava em perfeito estado, e, para quem não se lembra, esses Fuscão eram equipados com motor 1500 de carburação simples e cabeçotes com uma entrada na admissão. Rendia 52 hp brutos, cerca de 38,5 cv líquidos nos valores atuais.
Para a época, o Besouro tinha um bom desempenho se comparado ao 1300 1969 que meu pai havia tido antes. Mas eu, na época com menos de 20 anos de idade, queria mais. Já estagiava na oficina de preparações do Rafaele Ceccere, que fazia Fórmula Vê, Super Vê, Divisão 1 e Divisão 3, e estava sempre aprendendo os truques de montagem, preparação, ajustes e por aí vai. Lá mesmo na oficina, surgiu a oportunidade de comprar um kit de dupla carburação usado, que consistia em 1 carburador Solex 30PIC, que deveria ser adicional ao carburador original do carro.
Ainda tinham os coletores de admissão, com entrada simples, os filtros de ar para cada um dos carburadores, além do distribuidor da Kombi, com avanços apenas centrífugos. Assim, o motor ficava mais ágil nas acelerações, exatamente o que eu buscava.
Pois em um sábado, eu mesmo, que já dava uma de mecânico, desmontei o carburador e coletor longo originais do Fusca 1500 e instalei no carro o kit que havia comprado. Paguei, na época, um preço bem atraente pelas peças, aliás. Foi muito trabalho para um dia, mas no final da tarde do sábado, pronto! O kit estava no lugar, instalado, e o carro pronto para rodar. O motor 1500 respirava melhor, pois cada bancada de dois cilindros tinha seu próprio carburador, com coletor simples posicionado logo acima das válvulas de admissão. Uma melhora e tanto!
Apenas com esse “agrado”, o Fusca ganhou vida, mas não sei precisar quanto foi o acréscimo na potência. O fato é que o carro estava bem mais ágil e, acreditem, também gastava bem menos gasolina. Mesmo assim, ainda não estava totalmente satisfeito, e após alguns meses, já em 1974, eu estagiava na Envemo (Engenharia de Veículos e Motores). Eles vendiam, dentre outros, kits de preparação de carburação para Opala de quatro e seis cilindros, que eram remetidos para todo o Brasil.
Fiz o desenho da vista explodida desses kits, integrando um manual de instalação que acompanhava as peças, e montava os componentes antes do envio. Mais uma vez, aprendia e entendia muita coisa, só que achei um pote de ouro no estoque da empresa: um kit 1600 de pistões forjados, que estava perdido lá no meio das peças de GM. Comprei por um preço bem camarada, direto com o Dr. Ângelo, o manda-chuva da Envemo na época. Tinha pistões maiores de cabeça plana (85,5 mm de diâmetro, se não me engano), e encaixava como uma luva no lugar dos 1500 originais do motor do Fuscão.
O carro, na realidade, era do meu pai, mas ele só dirigia, e de vez em quando: no mais, era eu quem cuidava, mexia e por aí vai. Ele e minha mãe não entendiam nada do assunto, mas “seu” João Mendonça percebia que o Fuscão dele estava bem mais rápido do que quando havíamos comprado na concessionária.
Pois bem. No sábado seguinte da compra do kit 1600, já em meados de 1974, chamei alguns amigos e mãos à obra! Tiramos o motor inteiro, e com ele no chão, arranquei os cabeçotes e o kit 1500 original. No lugar, entrou o 1600 novo que comprei na Envemo. Esse deu muito trabalho, até mesmo porque, na hora de montar a dupla carburação, alguém deixou cair uma arruela dentro de um dos cilindros. Na hora de funcionar o motor, foi aquela barulheira do pistão socando a arruela dentro do cabeçote!
A toque de caixa, arrancamos o motor mais uma vez, tiramos um dos cabeçotes e achamos a peça intrusa lá dentro. Machucou um pouco o pistão e o cabeçote, mas nada que comprometesse o funcionamento do 1600. Coisa de marinheiro de primeira viagem! Nesse período, a carburação simples com dois carburadores 30PIC já havia dado lugar a um sistema mais decente, com dois Solex 32, iguais aos do Ford Corcel. O kit 1600 só fechou com chave de ouro, e o serviço estava completo.
Pistões forjados 1600 com cabeça plana, dois Solex 32 na alimentação, taxa de compressão aumentada por conta dos pistões planos, e o Fuscão estava bem valente. Meu pai, em sua santa inocência, não tinha a menor ideia do que acontecia, e vivia comentando comigo: “esse motor ficou bom! Só encosto o pé no acelerador e o carro arranca igual foguete!”. Sinal de que a receita básica gerava frutos, tinha dado certo.
Bacana que o motor não detonava, ou “batia pino”, como se dizia na época, e mostrava um consumo de combustível bem mais baixo do que antes da preparação. Tudo ficou sincronizado e redondinho, o que, na época, foi um orgulho para mim. Eu só me metia na preparação, e naquela vez deu certo, claro também que ajudado por alguns amigos.
Nunca poderia imaginar que o Fuscão 72 do meu pai, que serviu como cobaia, fosse só o início de tudo, inclusive para alguns daqueles amigos: alguns entraram no veio das competições, outros foram sócios de uma respeitada oficina paulistana…aprendemos que não bastava só leitura e teoria, era necessário botar a mão na graxa, literalmente. E errar bastante, para passar por perrengues. Uma arte que só quem passou pelo que eu passei, mexendo desde os carros do meu pai até os meus, sabe das dificuldades e da satisfação de um bom resultado.
O Fuscão? Quando meu pai o trocou por um Chevette 1974, dos primeiros fabricados, acabei comprando ele para, de fato, ser meu carro. Usei o Besouro por quatro anos, e foram só alegrias.
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