O Honda do Jorginho

O Honda do Jorginho

 

Outro dia recebi um telefone do Jorginho. Para quem não sabe, o Jorginho foi um colega de escola que não soube aproveitar o conteúdo extraclasse que toda escola pública oferece. Caçula de três irmãos, ele foi parar na minha sala por não ter ouvido o sábio ditado que diz: “Galinha que acompanha pato, morre afogada!”.

Fato é que pouco importa o que o Jorginho fez para parar lá. E, sim, o fato de ele ter me telefonado e da história que me lembrei dele. Jorginho me ligou para pedir aconselhamentos para compra de seu novo automóvel. Na verdade, a compra do automóvel de sua esposa, que está grávida do segundo filho. Ligações de consulta são frequentes e nunca me neguei a responde-las. Mas, era o Jorginho. Aí, você sabe né, tinha peso três no gabarito.

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Não que ele não mereça, mas Jorginho é o Jorginho. Fala muito, como diria o Adenor. Depois de uma introdução delongada e sem demonstrar nenhuma curiosidade sobre minha saúde e dos meus, ele veio e disse: “minha mulher está grávida de quatro meses, quero comprar um SUV para ela, qual você me sugere?”

— Um SUV? Para que um SUV? Eles são altos, com abertura do porta-malas muito elevada. Não é a melhor opção para quem está no meio da gestação, talvez um sedã médio possa ser uma opção mais interessante, que vai exigir menos esforço dela. Imagina se o pneu do carro fura e ela tem que pegar o estepe debaixo do assoalho ou tem que ergue-lo do porta-malas ao chão?

— Não! Eu gosto de SUV, tem mais presença!

Bom, naquele instante veio o flashback!

 

Volta a fita

Em 1997, tanto eu quanto o Jorginho completamos 18 anos, a primeira coisa que ele fez foi agendar seu exame de direção e, em algumas semanas, já estava municiado com sua habilitação. Não que ele fosse um prodígio, mas aos 13 seu pai havia lhe dado um Fusca para ir treinando. Jorginho treinou bem e se tornou um exímio motorista.

Aos 13, o Fusquinha era um Bentley para ele e para a turma do colégio. Jorginho era o único cara que ia pra escola de carro. Mas, aos 18, o Fusca já não prestava mais. Jorginho queria um carro maneiro. Um Honda, mas não um Civic. Jorginho queria um CR-X (Del Sol).

Para quem não conheceu, o CR-X era um conversível compacto que chegou na febre dos roadsters no início dos anos 1990. Tecnicamente, não sei se podemos dizer que o CR-X era ou não roadster. Afinal, ele tinha coluna B fixa e para-brisas traseiro, o que fazia dele um targa. Mas, sinceramente, Jorginho estava se lixando para isso. Ele apenas queria o carro.

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Ele ficou apaixonado desde o dia em que voltava da escola, no Fusca, e parou lado a lado com o carrinho japonês no sinal. Seu proprietário, numa demonstração de exibicionismo, acionou o recolhimento da capota. Era uma traquitana complexa em que a tampa do porta-malas se suspendia por dois braços e um mecanismo destacava a capota e acomodava abaixo da tampa. Era legal, mas extremamente estranho.

Seu pai decidiu que daria um carro para o filho, afinal o Fusquinha não servia mais. Seus irmãos mais velhos elogiaram o bom gosto do caçula. O problema é que poucas unidades foram vendidas por aqui. E, naquela época, quem tinha um CR-X não estava disposto a vende-lo facilmente. O velho então chegou um dia com um Civic hatch, que era uma gracinha. Se fosse meu pai que tivesse comprado, estaria lavando suas cuecas na mão até hoje.

Mas Jorginho deu um faniquito.

— Esse é comum, não serve. Eu quero o conversível que tem mais “presença”!

Seu pai não ficou satisfeito com o chilique do filho e entregou as chaves dando o assunto por encerrado. No entanto, seis meses depois o CR-X estava na garagem para Jorginho ir bacaninha para a faculdade.

 

Avança a fita

Voltando para o telefonema, resolvi sacanear com o Jorginho, que hoje dá rolê de BMW X1 e tem aversão com o Made in Brazil.

— Cara, por que você não compra um CR-V (sacou o trocadilho?) para ela?

E ele respondeu:

— Pô Marcelo, CR-V não dá né! Não tem aquela presença!

E vida que segue!

 


 

Marcelo Iglesias Ramos é Jornalista e Designer Gráfico.

Está na área desde 2003, atualmente é o editor do caderno HD Auto, do jornal Hoje em Dia, de Belo Horizonte. Figura presente em todos os lançamentos, salões do automóvel e eventos da indústria automobilística. Para relaxar, tem como hobby escrever para seu blog de games, o “GameCoin” (www.gamecoin.com.br).

 

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Emilio Camanzi

Emilio Camanzi

Emilio Camanzi  é um jornalista experiente e formador de opinião, com mais de 56 anos de trabalho dedicados a área automobilística. Seu trabalho sempre foi norteado pela busca da seriedade e credibilidade da informação. Constrói suas matérias de forma técnica, imparcial e independente, com uma linguagem de fácil compreensão. https://www.instagram.com/emiliocamanzi/ 🙋 PARCERIAS: comercial@carroscomcamanzi.com.br