O Ford Versailles que brigou na justiça para voltar a ser um carro

O Ford Versailles que brigou na justiça para voltar a ser um carro

Por esse mundão afora, muitas histórias interessantes envolvem carros, mas essa, especialmente, a de um Ford Versailles, merece destaque. Parece até estória de novela. Tudo começou lá em 1993 quando esse sedan, que na realidade era um VW Santana um pouco diferente, feito em tempos da Autolatina, saiu das linhas de produção da marca alemã em São Bernardo do Campo e foi incorporado à frota da Ford em Taboão. Sua função era servir para uso interno da fabricante.

O setor específico que ele seria destinado nunca foi descoberto, mas, ao que tudo indica, era o departamento de design e estilo, que pretendia fazer alguns estudos de futuras reestilizações e mudanças variadas no Versailles.

Pois bem, o carro, da versão mais cara Ghia com motor 2.0 AP e câmbio automático de três marchas, foi utilizado internamente em 1993, 1994 e 1995, servindo de cobaia para algumas alterações aqui e acolá, todas com planos de serem implantadas nos anos seguintes.

Prestado esse valoroso serviço durante quase três anos de trabalho interno, como é comum na indústria automotiva, o tal carro, na realidade um protótipo, foi destinado ao scrap (sucateamento). Não poderia ser revendido ao grande público pois havia sido, querendo ou não, um protótipo de testes e experimentos.

O “belo Antônio” então, pobre carro, teve seu número de chassi cortado, e de uma hora pra outra passou de “um belo sedan vermelho” para “sucata”. Só que uma sucata novinha, pois mal havia sido utilizado.

Em 1996, uma empresa que comprava habitualmente sucatas por quilo da Autolatina, comprou mais um lote. A surpresa é que, no meio de tanta tralhas e peças, havia um belíssimo, perfeito e utilizável Ford Versailles Ghia. Fora da fábrica e na mão do sucateiro, o carro pode ser observado com mais detalhes: Apesar de ser 1993 e completo de equipamentos, ele dispunha de itens de aparência e acessórios que não eram comuns ao ano de sua fabricação.

Tinha, por exemplo, grade dianteira oval e lanternas traseiras divididas que viriam só em 1995, injeção eletrônica digital FIC ao invés da Bosch analógica original da época, rodas de liga-leve raiadas com design que surgiu só em 1994, painel de instrumentos com grafia exclusiva (feita à mão) que nunca foi adotada oficialmente, além de teto-solar elétrico e bancos em couro que estrearam na linha 1994.

Características típicas de um carro experimental, onde são testados vários equipamentos e componentes pra usos futuros. Era um verdadeiro “samba do crioulo doido”: Fabricado em 1993 mas com peças de 1994 e 1995, além de instrumentação com grafias nunca antes vistas.

Apesar de ser um veículo único, completíssimo e bonito, ainda era uma sucata, já que tinha seu Renavam dado como baixado e número de chassi removido. Mesmo assim, seria um desperdício destruí-lo, e por isso o dono daquele valioso lote de sucata decidiu usar o Versailles normalmente, de forma irregular.

Preocupado com essa incômoda irregularidade na documentação do carro (na realidade não possuía documento algum), o atual proprietário decidiu ajeitar completamente a situação burocrática do Versailles. Para isso, buscou a ajuda do advogado Dirceu Teixeira, que moveu um processo na justiça a favor do dono da sucata e tendo como ré a Autolatina. O objetivo era requerer a regularização novamente da documentação do carro, sob a alegação de uso capião de bens móveis, afinal já haviam se passado mais de 5 anos que o carro estava em posse do novo proprietário.

Era necessário um documento comprovando a origem do carro e sua venda como sucata, que deveria ser autenticado pela própria fabricante, no caso a Autolatina. Depois disso, teoricamente, era só pagar os débitos anteriores de licenciamento e IPVA (na época ainda cobrado, já que o carro tinha menos de 20 anos), e se teria o carro documentado novamente.

Mas como estamos no Brasil, por causa da lentidão judiciária esse processo se arrastou por quase 15 anos, tempo em que o carro ficou guardado, praticamente sem uso. Isso explica a baixa quilometragem para seus quase 30 anos: Pouco menos de 75 mil km, que foram rodados, na maioria, pelo comprador da sucata.

Para voltar a ser um carro, em 2016, já com os documentos necessários emitidos, o Versailles teve regravado seu número de chassi na torre do amortecedor dianteiro, uma região estrutural que poderia receber a identificação oficial. A justiça também autorizou o “renascimento” do carro, ou seja, ele deixou de ser sucata para voltar a ser um belo e estiloso sedan de luxo da Ford.

Mas, claro, o peso da idade se faz presente no agora maduro Versailles: A antes reluzente pintura vermelha metálica já está gasta pela ação do tempo, os bancos tem suas espumas ressecadas e já exigem reparos, alguns detalhes do interior se perderam com o tempo (sistema de som, por exemplo), e ele também precisaria de um serviço de funilaria para corrigir alguns “machucados” espalhados pela sua carroceria.

E sem lembrar da triste mas histórica recordação do tempo em que ele foi uma sucata: O buraco no cofre do motor, onde antes ficava sua identificação oficial, ou número do chassi. Mas o interessante é que tudo aquilo que o Versailles Ghia oferecia naquela época ainda está em perfeito funcionamento, à exemplo do teto-solar elétrico, câmbio automático, freios ABS, ar-condicionado e por aí vai.

 

 

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Onde ele está hoje?

 

Depois de tantos perrengues e histórias pra contar, esse Versailles Ghia está na posse da empresária Marcia Simone Donha, proprietária da MSD Garage, uma oficina que trabalha com restauração de veículos e está situada em São Bernardo do Campo. Antes de chegar na MSD Garage, o sedan da Ford estava em posse do advogado Dirceu Teixeira, responsável por sua causa, que acabou adquirindo o carro e, algum tempo depois, revendendo para a empresária do ramo automotivo.

Marcia fez a manutenção básica necessária para o veículo ser utilizado novamente com segurança, e trocou pneus, amortecedores, molas, discos e pastilhas de freio não por limite de desgaste, mas sim por tempo de uso, afinal o carro hibernou por um bom tempo. Ela nos confidenciou também que está vendendo essa raridade com uma longa história, e falou até o preço pedido: R$25 mil.

Se alguém se interessa por um Versailles Ghia mais do que exclusivo, completo de equipamentos e com uma trajetória das boas, é só contatar a MSD Garage pelas redes sociais (@_msdgarage no Instagram e @oficinamsdgarage no Facebook), ou pelo bom e velho contato telefônico, através dos números (11) 4509-8090 e (11)96641-8502, sendo esse último também o WhatsApp. É um carro que certamente ainda vai render boas histórias por aí…

 

Fotos: Arquivo MSD Garage

 


 

 

Douglas Mendonça é jornalista na área automobilística há 46 anos.

Trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e foi diretor de redação da revista Motor Show até 2016. Formado em comunicação pela Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Engenharia Paulista (IEP).

Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e a Mil Quilômetros de Brasília em 2004.

 


 

 

 

 

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Douglas Mendonça

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Douglas Mendonça é jornalista na área automobilística há 46 anos. Trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e foi diretor de redação da revista Motor Show até 2016. Formado em comunicação pela Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Engenharia Paulista (IEP). Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e a Mil Quilômetros de Brasília em 2004. 🙋 PARCERIAS: comercial@carroscomcamanzi.com.br