O estágio na Envemo que me ensinou mais sobre carros
Recordo-me bem que lá pelos idos de 1975, cursava o quarto ano do colégio técnico mecânico da Escola Estadual Getúlio Vargas, localizada na região do Ipiranga, bairro da capital paulista. Era um curso profissionalizante, equivalente ao ensino médio atual, que instruía o aluno, além de operar máquinas operatrizes (torno, fresa, retífica, plaina etc.), a calcular a resistência dos materiais, fazer desenhos técnicos e cálculos básicos estruturais, pensar no dimensionamento de componentes mecânicos e realizar outras contas matemáticas mais práticas utilizadas no dia-a-dia da mecânica.
O curso, chamado de Máquinas e Motores, ensinava também conceitos básicos dos motores a combustão interna, seu funcionamento e principais componentes. Eram quatro anos, sendo três deles dentro da escola e suas oficinas, e um quarto ano, que, em boa parte, era feito um estágio prático numa empresa que utilizasse o conhecimento de um técnico mecânico.
Na época, com cerca de 20 anos de idade, me candidatei e fui escolhido para estagiar na Envemo (Engenharia de Veículos e Motores), pelo seu proprietário, o dr. Ângelo Gonçalves, um engenheiro muito capaz que tinha doutorado de engenharia na USP, mandando muito bem quando o assunto era transformação e preparação de carros. Claro, era tudo que eu queria: estar em uma empresa de porte médio que trabalhava modificando os carros de fábrica. E esse aperfeiçoamento não se limitava só no design e estética, mas também em alterações mecânicas que melhoravam sensivelmente o desempenho dos carros.
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O dr. Ângelo começou a Envemo em 1966 prestando consultoria para as fábricas da época, como DKW-Vemag (onde trabalhou, inclusive, na criação do jipe Candango e sua tração integral com reduzida), e depois concentrando seus esforços para o lançamento da famosa Equipe Vemag, que utilizava seus potentes e poderosos DKW, ganhadores de muitas corridas no Brasil da primeira metade dos anos 60. Gonçalves e seu vasto conhecimento comandavam tudo isso.
No seu início, a Envemo, além dos DKW, trabalhava também com a transformação dos motores VW 1300 de 1967 e outros projetos menores. Mas a marca ficou famosa mesmo com a chegada do Opala em 1968, e já em 1969, sob a batuta do dr. Ângelo, a Envemo chegava com seu Opala/E (“E” de Envemo). Era um Opalão que já tinha, na época, tripla carburação no motor de seis cilindros e dupla no de quatro cilindros, comandos de válvulas especiais, e um design “invocado”, que dava personalidade ao sedan e o distinguia na manada de Opala comuns por aí.
Foi até uma espécie de precursor do Opala SS, de 1970, já que inovava com os bancos dianteiros separados, alavanca de marchas no assoalho, console central, volante esportivo, conta-giros e, por fora, poderia vir com pinos de trava para o capô, grade parcialmente pintada de preto, além de outros dois faróis (totalizando quatro redondos), rodas de magnésio, spoiler lateral, alargadores nas caixas de rodas e até diferencial autoblocante. Parte desses equipamentos não eram encontrados nos Opala de produção seriada, e só vieram no SS. Lembrando que, na época, só havia o Opala de 4 portas.
Quando comecei meu estágio, lá no início de 1975, a Envemo trabalhava única e exclusivamente com carros da Chevrolet. Tinha os kits de aparência em fibra de vidro para a carroceria e os kits de carburação para os motores, quer seja os de quatro ou os de seis cilindros. O legal desses kits era que você utilizava o carburador original do carro, e na versão seis cilindros, vinham mais dois carburadores iguais ao original, para que fosse fixada ao novo coletor de admissão a carburação tripla, com sua trinca de filtros. No kit de quatro cilindros era o carburador original e mais um do kit, formando a dupla carburação.
Um dos meus trabalhos por lá, como estagiário, foi o de desenvolver uma vista explodida do kit de quatro e seis cilindros para que os mecânicos que recebessem o kit, em qualquer parte do Brasil, pudessem seguir o passo-a-passo de montagem, e dessa forma não inverter nenhum componente. O tal conjunto de preparação incluía até as mangueiras de combustível para o novo sistema de alimentação, dupla ou tripla. Bem bacana!
Além do conjunto de carburação especial para os Opala, a Envemo fazia também cópias de comandos de válvulas norte-americanos para esses motores, que eram retificados a partir do comando original. Desse kit, fazia parte os tuchos mecânicos e um óleo lubrificante especial para ser usado no momento da montagem. A receita era vendida pronta, bastava que o consumidor escolhesse o que queria do seu Opala para melhorar os componentes do sistema de alimentação. Tudo era detalhado nos seus mínimos pontos, e também cabia a mim fazer o desenho que acompanhavam os kits vendidos.
Na Envemo tinha também um dinamômetro onde eram desenvolvidos todos esses kits de carburação e comando, e, nas horas vagas, o tal equipamento era emprestado para equipes de competição que iam lá ensaiar seus motores. Lembro-me bem que, na época, o preparador do piloto Edson Yoshikuma estava desenvolvendo um motor de Opala seis cilindros para o seu Divisão 3. Sempre que podia, eu dava uma fugida das minhas obrigações de estagiário para ir espiar o motorzão trabalhando no dinamômetro.
Era um 4300 com três carburadores duplos e comando de válvulas importado, com cabeçote especial, que berrava alto e bonito. As medições de potência eram feitas sempre acima dos 6 mil rpm (eram mais de 300 cv), um verdadeiro show para mim, na época, que ficava maravilhado com a quantidade de informações, notícias e novidades aprendidas com quem eu conversava por lá. Inclusive vindas do dr. Ângelo, sempre com muita paciência para ensinar o estagiário que tudo perguntava e queria saber sobre aquelas máquinas maravilhosas.
Lembro-me também do filho do dr. Ângelo, na época o jovem Luiz Fernando Gonçalves, que era quem desenvolvia os projetos mais avançados de modelos que se transformaram em Chevette 1.6 (lançado antes da GM no chamado “Chevette Minuano”), e depois o desenvolvimento da carroceria, em fibra de vidro, da réplica do Porsche 356 C, batizada de Envemo Super 90. Esse carro ganhou elogios inclusive na Alemanha, como uma das mais perfeitas, esmeradas e bem-elaboradas réplicas do saudoso Porsche dos anos 50 no mundo.
O Super 90 usava a plataforma do Brasília encurtada em 30 cm, e era um tanto mais largo que o Porsche original. Também vinha do VW o motor 1.6 de 65 cv e dupla carburação, e o nível de esmero era tanto que algumas de suas peças vinham da Europa, com fabricação original Porsche, a exemplo das maçanetas e lanternas. Esse carro chegaria ao mercado em 1979, muito tempo depois do fim do meu estágio, que acabou no segundo semestre de 1975.
Mas a Envemo continuou firme e forte, lançando produtos, mostrando-se competitiva no mercado nacional. Em 1983 ela foi vendida para a Engesa e, logo no início dos anos 90, acabou fechando suas portas a exemplo de inúmeras outras empresas do ramo, por conta da chegada dos importados. Dentre seus frutos de destaque, também Monza SW, Camper, e inúmeras modificações para a linha de picapes da Chevrolet.
A Envemo deixou um grande legado para a história da nossa indústria automobilística, e tem como referência o dr. Ângelo Mário Gonçalves e seu filho Luiz Fernando, competentes no que faziam. Sem falar que garantiram uma boa dose de conhecimento para mim, jovem estagiário com sede de aprendizado sobre automóveis e seus segredos. À eles outros da época, agradeço a paciência de me ensinarem.
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