O bolo é o mesmo, o que muda são os confeitos
Quem acompanha o noticiário da indústria automotiva já percebeu que volta e meia um ou outro segmento ganha destaque, seja pela renovação de modelos, seja consolidação de um tipo de carroceria. Basta ver que a febre dos SUVs, os utilitários-esportivos, tem perdurado por muito tempo. Se intensificou a partir de 2015, com o boom dos compactos como Jeep Renegade, Honda HR-V e Hyundai Creta. No entanto, a bola da vez são os hatches compactos e suas derivações sedã. E a tendência irá se estender durante 2018 e 2019.
Para entender melhor esse balé da indústria, é preciso buscar alguns fundamentos do marketing, que consiste em oferecer algo “aparentemente” novo para criar o desejo de consumo. Se considerarmos que os automóveis são, na essência, o mesmo produto há mais de 100 anos (isso mesmo, uma engenhoca com quatro rodas montadas sob uma plataforma segmentada por compartimentos de passageiros, bagagem e motor, este que por sua vez traciona as rodas), é preciso ser inventivo para estimular a necessidade de compra ou troca.
Claro que não se pode negligenciar a adição de equipamentos e melhorias. Itens de segurança, comodidade e entretenimento não são apenas artifícios de vendas utilizados pelos publicitários. Na verdade, é preciso reconhecer que os automóveis evoluem (na maioria das vezes sob pressão da legislação), mas evoluem.
Mas sejamos sinceros: Substituir o platinado do distribuidor pela ignição eletrônica não seria um gatilho eficaz para se trocar de carro, não é? Ou mesmo carburador pela injeção eletrônica. Nem airbag, ABS e controle de estabilidade (ESP), que são a diferença entre o susto e o caixão, motivam o consumidor a trocar de carro. Mas uma carroceria nova, lustrosa, isso sim é eficiente.
No final dos anos 1990 a indústria teve duas grandes febres. Globalmente foi a explosão dos utilitários-esportivos de luxo, capitaneados pelo Mercedes-Benz Classe ML (atual GLE) e dos jipinhos compactos, tendo como principal expoente o Toyota RAV4. No Brasil, vivemos a explosão dos monovolumes, que teve seu estopim com a chegada da Renault Scenic e Citroën Xsara Picasso. Depois disso, vieram inúmeros monovolumes, como os Chevrolet Meriva e Zafira, Fiat Idea, Honda Fit e até a peruinha SpaceFox foi anunciada como monovolume.
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Lembro com exatidão, no início de 1999, quando fazia estágio na fábrica da Fiat em Betim, o dia em que uma Scenic estacionou nas vagas da diretoria. De repente haviam dezenas de curiosos olhando aquele carro com espanto. A única vez que tinha visto alvoroço parecido naquele estacionamento foi quando Giuseppe Marinelli, encostou uma Ferrari 355 F1 (o primeiro carro que eu vi que tinha borboletas no volante). Pode parecer exagero, mas a Scenic atraiu plateia maior que a Ferrari.
Mas havia uma razão para tamanho interesse. Realmente os monovolumes traziam algumas mudanças em conceitos de arquitetura que iam muito além do que tínhamos no mercado. A começar pelo menor espaço destinado ao cofre do motor, para garantir maior espaço para passageiros e bagagem. A posição de dirigir elevada, em que as pernas não ficam tão esticadas, também ajudou no melhor aproveitamento do espaço. Hoje o Fit é praticamente o único representante da categoria e, mesmo com cerca de 15 anos de mercado, ainda é visto com surpresa pela sua praticidade.
Mas os monovolumes foram engolidos pelos jipinhos, que, em tese, oferecem a mesma praticidade, mas com a capacidade (em tese) de rodar fora do asfalto e também de imprimirem uma sensação de maior segurança. Eles emergiram nos anos 1990 e se multiplicaram, tomando mercado das minivans, picapes e sedãs médios.
O problema é que o SUV é um produto de percepção cara e orbita em faixas de preço entre R$ 80 mil e R$ 1 milhão (se o amigo quiser um Range Rover topo de linha, terá que encher o cheque de zeros).
Os sedãs médios, para sobreviverem à ofensiva dos SUVs compactos, precisaram se qualificar com conteúdo que antes eram relegados aos modelos executivos. Basta notar o perceptivo salto qualitativo de modelos como Chevrolet Cruze e Honda Civic. Por outro lado, também encareceram e dificilmente há algum modelo abaixo dos R$ 90 mil, apenas veteranos como o Mitsubishi Lancer, Peugeot 408 e Citroën C4 Lounge.
Daí ficou um buraco imenso entre os modelos populares e pequenos, como Palio, Siena, Fox, Voyage, March, Etios, Onix, Prisma, Sandero, Logan e HB20 e as categorias de maior “prestígio”. A solução? Investir em compactos com padrão de conteúdo mais refinado para ocupar a lacuna aberta.
Foi por isso que nasceram modelos como Argo e Polo, e em breve Cronos e Virtus. São automóveis de pequeno porte, mas com conteúdo mais refinado, com melhor comodidade que os pequenos e populares e compatíveis com os jipinhos atuais. Apesar de surpreendentes, não chegam a ser nenhuma revolução, pois Peugeot, Citroën e Ford já atuam nesse ramo há um bom tempo com 208, C3 e Fiesta e como se o Polo (antigo) e Punto nunca tivessem existido.
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Nessa tocada outros fabricantes começaram a se mexer, a Toyota confirmou (finalmente) o Yaris. O modelo será fabricado no Brasil em 2018, na configuração hatch e posteriormente na carroceria sedã. A Nissan registrou informações da nova geração do March no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI). A aposta é que ele conviva com a atual geração, mas num patamar superior, uma vez que será feito na base do Kicks.
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A Renault, para não ficar para trás, irá atualizar e dar um banho de loja na dupla Logan e Sandero, numa estratégia parecida com a do Argo e Cronos, que não serão tão espartanos quanto os populares, mas nem tão recheados quanto os compactos do momento.
E assim o desejo de compra se renova, movendo a gorda e rica roda da indústria. E quando o gás enfraquecer, um segmento se reinventará, com um ineditismo que apenas a memória de peixinho dourado do consumidor consegue absorver.
Marcelo Iglesias Ramos – Jornalista | Designer Gráfico
(31) 99245-0855
Fotos: divulgação montadoras
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