Interlagos: o pai dos esportivos de fibra no Brasil
Um dos dogmas fundamentais para se obter performance é a relação peso/potência. Em tese, quanto menos peso for demandado de cada cavalo vapor (cv), melhor será seu desempenho. A indústria norte-americana sempre levou a sério a máxima de que: “nada substitui as polegadas cúbicas”. Daí, motores V8 imensos com cinco, seis, sete e oito litros se tornaram corriqueiros nos anos 1960. Por outro lado, europeus sempre levaram a cabo a ideia de que menos é mais. Uma filosofia que vem desde os anos 1930, com as carrocerias superleves de alumínio e formas fluidas.
Construtores britânicos como a Lotus, por exemplo, conseguiam melhor desempenho reduzindo o peso final ao invés de aumentar a cilindrada do motor, assim como alemães e franceses que optaram em investir em ligas mais leves e melhor distribuição de peso do que acrescentar mais ferro nos blocos dos motores para aumentar a cilindrada e, consequentemente, prejudicar a dirigibilidade.
No entanto, uma das grandes referências em performance foi fabricado no Brasil: trata-se do Willys Interlagos, uma leitura tupiniquim do Renault Alpine A108. Há quem jure que ele é um carbono do A110, que foi lançado na França no mesmo ano que o brasileiro. Mas não, era do A108 mesmo com alguns detalhes do A110. O carrinho que homenageava o então Autódromo de Interlagos (hoje tem o nome de José Carlos Pace em homenagem ao piloto que faleceu de acidente aéreo em 1977) foi fabricado pela Willys Overland, entre 1961 e 1966, e teve três versões de carroceria: berlineta (ou fastback) – a mais famosa, cupê e conversível. E seu estilo bonito chama a atenção até hoje.
Quem batizou o esportivo com o nome da pista paulistana foi o publicitário Mauro Salles, que atendia a Willys na época. Ele considerou o nome apropriado por se tratar de um legítimo esportivo e que, coincidentemente, se tornaria um dos principais palcos dos Interlagos da Equipe Willys de competição.
Naquela época, a Willys Overland tinha um bom posicionamento no mercado brasileiro. Além do compacto Gordini (que também era um produto licenciado pela Renault), a marca ainda fabricava o sedã Aero-Willys, o utilitário Jeep e a bisavó dos SUVs, a Rural Willys. Ou seja, tinha lastro para apostar num esportivo e fazer frente à Volkswagen que só vendia Fuscas, Kombis e o “pseudo-esportivo” Karmann-Ghia, que, com um motor de 1200 cm3 de 36 cavalos e pesando 820 kg, tinha um desempenho muito modesto. Além disso, a Chevrolet na época se dedicava apenas a picapes, furgões e caminhões, tal como a Ford.
O Interlagos foi um legítimo automóvel da escola europeia. Tinha uma carroceira em fibra-de-vidro compacta (3,78 metros de comprimento); era leve e motores, apesar de pequenos (845, 904 e 1.000 cm3) entregavam potências entre 42 cv e 70 cv. Tudo bem que as primeiras unidades equipadas com o motor de 845 cm³ não empolgavam muito. Ainda mais por ser um motor com taxa de compressão alta para época, 9,2:1 (hoje a maioria dos motores 1.0 têm taxa de compressão na casa dos 12:1), o que exigia que ele fosse abastecido com gasolina de 95 octanas RON para evitar pré-detonação, a conhecida “batida de pino”. Atualmente, este é o padrão de octanagem da gasolina comum, mas na década de 1960 só era possível na chamada “gasolina azul” (por causa de sua cor), mais cara e difícil de encontrar. No entanto, com a inclusão dos motores de 1 litro, o esportivo ganhou mais vigor e a simpatia do público. Graças à boa relação peso/potência de 7,6 quilos por cavalo vapor, o Interlagos com motor de 1 litro chegava aos 160 km/h e acelerava de 0 a 100 km/h em 14,1 segundos. Acredite, ele mandava muito bem! Ainda mais no Brasil dos anos 1960, onde a frota de automóveis era pequena e certamente não tinha muitos esportivos americanos e europeus para fazer concorrência. Perto do Fusca, do Karmann-Ghia e do irmão Gordini, ele era a encarnação do mal!
O baixo peso se dava pelo de uso de fibra vidro na construção da carroceira. O material estava em alta desde 1953, quando a Chevrolet lançou o Corvette, que até hoje ainda utiliza o composto. Depois do Interlagos, diversos pequenos fabricantes surgiram e fizeram uso do material em esportivos como GT Malzoni, Puma, Santa Matilde, Bianco, Adamo e Farus, para citar alguns.
Quem dirigiu o carro sabe que ele era uma delícia. Sua posição de dirigir “afundada”, com as pernas quase esticadas tinha um apelo emocional forte. Além disso, o carrinho tinha um ótimo comportamento, devido ao seu baixo centro de gravidade e o conjunto de suspensão independente nas quatro rodas, que garantia a ele uma boa estabilidade.
Automobilismo
Por ser um carro leve, com boa relação peso/potência o Interlagos não demorou em estrear nas competições automobilísticas. A Willys tinha uma equipe oficial, comandada por Luiz Antônio Greco, por onde passaram pilotos como Christian Heinz, Emerson Fittipaldi, Wilson Fittipaldi Jr., Bird Clemente e José Carlos Pace. Numa entrevista em 2012 para o jornal Estado de São Paulo, Bird Clemente comentou que era preciso andar sempre com o carro embalado para superar adversários com motores grandes. No entanto, por ser leve e de fácil manejo, o piloto que “andava pendurado de lado” não dependia de um seis cilindros ou um V8 para vencer a 500 Milhas de Interlagos, em 1962, feito que imortalizou o Willys Interlagos.
Marcelo Iglesias Ramos – Jornalista – (31) 99245-0855
Fotos: Cláudio Larangeira e Internet