Educação de trânsito é lição de casa!
Porque sou contra a educação de trânsito para crianças
por Tite Simões
Primeiro porque precisamos parar de uma vez por todas de acreditar que escola substitui a família. Que me desculpem os pais preguiçosos, “ocupados” ou negligentes, mas quem deve dar educação para os jovens é a família – e entenda por família qualquer composição entre adultos responsáveis e crianças. A escola deve dar formação, ENSINO e eventualmente educação formal em sociedade. Mas, um ser social bem-educado, é formado pelo núcleo familiar.
Esqueça o trânsito, esse amontoado de veículos, dirigido por pessoas que deveriam respeitar leis e regras de convício social. Esquece isso. Pense na sociedade sem carros. Pense na sua casa, ou no condomínio onde vive. É preciso que alguém de fora da sua família entre em sua casa para dizer aos seus filhos que eles precisam lavar as mãos antes das refeições? É preciso pedir para um vizinho explicar aos seus filhos que eles têm de arrumar o quarto? Ou ele aprende tudo isso dentro de casa?
Esqueça ainda o trânsito e pense na escola. Naquela escola tradicional, ou mesmo a “experimental”, moderna. Pense nas disciplinas que os jovens precisam estudar: matemática, história, geografia, física, química, biologia, língua portuguesa, literatura, educação física, artes, língua estrangeira etc. Alguém acha sinceramente que hoje em dia, com as dificuldades naturais de ministrar o currículo atual, caberia introduzir mais uma disciplina como trânsito? Sem falar que existem projetos para introduzir também outras disciplinas como “educação sexual” (que, na verdade, deveria chamar-se “higiene e saúde”).
Continue se esquecendo do trânsito. Pense no futuro da mobilidade urbana, com valorização e ampliação do transporte público, com o desinteresse cada vez maior dos jovens em usar veículos motorizados, com a condenação dos veículos movidos a combustão e no novo desenho que as cidades deverão ganhar com a racionalidade do transporte público. Talvez a disciplina “educação de trânsito” seja uma no nata, que pode morrer antes mesmo de nascer.
Agora sim, pense no trânsito como ele é. Qual deveria ser a principal preocupação das autoridades de trânsito? Essa resposta é fácil: reduzir o número de vítimas de acidentes. Mas esta não é nem de longe a principal preocupação, senão já teríamos ações efetivas nesse sentido. O grande – para não dizer o ÚNICO – interesse das autoridades que gerenciam o trânsito (incluindo a categoria política) não é reduzir o número de vítimas e acidentes, mas, sim, se aproveitar da PUBLICIDADE gerada pela redução de vítimas.
Basta ver como agem os administradores responsáveis pelo trânsito. A cada ano anunciam que pretendem reduzir o número de vítimas, mas a cada ano esse número continua igual porque o Brasil tem mais de 5.000 municípios e tudo é pensado apenas em São Paulo.
Quer um exemplo? Querem proibir o tráfego de motos entre os corredores de carros, sob a alegação de que causa muitos acidentes. E para corroborar essa tese, a Associação Brasileira de Medicina de Trânsito (ABRAMET) usa o argumento de que diariamente 54 motociclistas morrem ou ficam mutilados. Repito: NO BRASIL! Se um microcéfalo no interior do Piauí sai de moto sem capacete, bêbado e se arrebenta, quem paga a conta é o paulistano? Como a Abramet pode palpitar sobre trânsito se os médicos só conhecem a vítima DEPOIS do acidente?
Menos blábláblá e mais ação
Se houvesse o real interesse em reduzir as vítimas de trânsito, a Abramet e outras associações deveriam estudar o efeito CAUSADOR do trânsito. Por exemplo, o péssimo estado de ruas e estradas; a quase inexistente fiscalização nos municípios com maior número de vítimas por habitantes; e não ficar só em São Paulo e Rio de Janeiro, em busca de pura publicidade.
O departamento de comunicação do Detran-SP envia press-releases quase diários contabilizando as blitzes de Lei Seca e, eventualmente, os flagrantes em autoescolas que fraudam exames e vendem habilitações. É o departamento de trânsito fazendo a publicidade. Mas os motoristas continuam se envolvendo em acidentes. Parece que tudo vai se resolver prendendo e multando os motoristas, reduzindo a velocidade e proibindo as motos de circularem nos corredores.
Parece que cada departamento responsável quer mostrar serviço só para depois poder anunciar que “fizemos a nossa parte”. Mas eu nunca recebi nenhuma notícia do Detran-SP afirmando que apreendeu carros com película solar irregular (inclusive dos vereadores da Alesp), nem que fez uma campanha maciça para ensinar como usar os faróis dos carros, ônibus e caminhões.
Só a título de exemplo, já contei a história do especialista espanhol que veio a São Paulo contar como a Espanha conseguiu reduzir em mais de 50% o número de vítimas de acidentes de trânsito. Foram tomadas 440 medidas que resultaram em um compêndio de mais de 1.000 páginas. Entre as mudanças propostas – e realizadas – estavam: mudança no sistema viário, pavimentação, mudança profunda no sistema de habilitação, redução da velocidade em algumas vias, etc.
Aí, voltamos para São Paulo do século 21 e vemos que a tentativa (e consequente publicidade) para reduzir vítima de trânsito se resumiu a UMA medida: reduzir a velocidade nas vias. As outras 399 propostas que fiquem engavetadas, porque dão trabalho e custam caro.
Por tudo isso, acho realmente infantil querer introduzir a disciplina “educação de trânsito” nas escolas como forma de criar futuros motoristas mais bem preparados. A preocupação número 1 dos educadores, em geral, é formar cidadãos melhores, que automaticamente serão motoristas melhores, pedestres melhores, ciclistas melhores e até motoristas de frota mais bem educados.
É isso que muda o comportamento de uma sociedade: empenhar-se ao máximo em formar cidadãos mais educados socialmente. Todo o resto vem na carona. Mas olhe em volta, repare como as pessoas se comportam no elevador, no ônibus, nas filas e pense se o que precisamos é realmente de ensino de trânsito?
A educação de trânsito já existe, pelo menos no papel. Trata-se das auto e moto escolas. Se elas são chamadas de “escola”, em seu currículo deveria ter um enorme espaço para educação e cidadania. Mas quem se atreve a dizer que os CFCs hoje são capazes de formar cidadãos educados socialmente? Eu ministro aulas de pilotagem de moto há três décadas. Semanalmente, recebo alunos já habilitados que jamais teriam capacidade de enfrentar o trânsito de São Paulo, no entanto eles foram habilitados. Que escola é essa?
Sinceramente, não acho que devam ensinar trânsito para as crianças, porque o que vai contribuir muito para uma sociedade mais equilibrada e educada é espalhar o conceito de CIDADANIA!
Tite Simões – Jornalista, piloto de teste e instrutor do curso Abtrans de Pilotagem.
Contato: info@abtrans.com.br
Fotos: Tite Simões