Ducati Multistrada 950: Prazer em encolher

Ducati Multistrada 950: Prazer em encolher

Antes de falar da deliciosa Ducati Multistrada 950, preciso fazer um alerta: moto com mais de 1.000 cm3 de cilindrada é muito legal para fazer pose. Porém, para o uso no dia a dia, viagens e ainda para pegar estradinhas de terra, não precisa chegar a um litro de capacidade volumétrica. Aliás, acho mesmo que as fábricas só produzem motores maiores porque sabem que ainda tem muito homem que quer mostrar que tem mais cilindrada que o outro.

Durante o teste desta nova big trail italiana, tive a chance de, primeiro, relembrar como é a Multistrada 1200, que estava ali, paradinha esperando alguém montar e sair babando. Já havia pilotado esta moto em Interlagos e fiquei impressionado com tanta potência e estabilidade. Foi a primeira big trail que gastei os sliders do macacão no asfalto. Neste novo teste, no Haras Tuiuti, uma pista mais travada, não cheguei a deitar tanto nas curvas porque estava de calça jeans HLX e, se raspasse o joelho no asfalto, perderia a calça e um amigo. Mas foi bom começar pela 1200, pois reforçou minha teoria sobre motores acima de 1.000 cm3. Acredite: em motos ninguém precisa de mais de 1.000 cm3 para ser feliz.

300x250

Logo nos primeiros metros já a bordo da Multistrada 950 percebi de cara que a moto é muito mais maneável, fácil de administrar a potência e verdadeiramente divertida. Por um vacilo dos instrutores, deixaram o programa do freio ABS na posição 1, que desliga o ABS da roda traseira. Foi lindo pilotar uma moto de mais de 200 quilos derrapando na entrada das curvas como se fosse supermotard. Ela permite essa e outras diversões como você vai ver na sequência.

“Motorzinhão”

O motor de exatos 937 cm3, de dois cilindros em L, não é um downsizing da 1200, mas uma atualização do motor 937 cm3, chamado de Testastretta (algo como “cabeça chata” em italiano) pra deixar o propulsor mais modulável em baixa rotação, como pude comprovar na prática. A potência é de 113 cavalos a 9.000 rpm e o torque é bem plano, com 9,6 kgfm a 7.750 rpm. Mas esquece desse papo chato e vamos direto ao que interessa: pilotar!

Para sorte dos brasileiros prejudicados verticalmente, a Ducati oferece três opções de banco, com alturas variando de 820 a 860 mm, mas não é ajustável, é preciso pedir na hora da compra. Eu fui na intermediária, com 840 mm e já fiquei meio no ar, sem alcançar os pés no chão. Por isso mesmo acabei deixando-a desabar bem na frente do fotógrafo que, felizmente, estava de costas e não registrou esse momento patético. Mas tem de dar um desconto porque tinha um desnível enorme entre o piso e a pedaleira por causa de uma canaleta na pista. Cose che succedono!  A posição de pilotagem é claramente voltada para quem tem mais de 1,75m e senti que meus braços ficaram muito esticados. No meu caso (1,68m) teria de instalar um prolongador (riser) para manter os braços flexionados.

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O painel é aquele show de informações que deixa a geração smartphoners deslumbrada, mas os velhos ficam meio perdidos com tanta coisa pra olhar. Está tudo ali: velocidade, rotações, marcha engatada (muito útil), consumo, temperatura de tudo que é canto, quanto falta pra ficar sem gasolina, consumo instantâneo, médias de todo tipo, etc., etc., e mais etc. Lembrou minha experiência em 2015, quando tive de viajar de Nápoles a Florença lendo o manual da Panigale 1299 só pra entender o tanto de coisa eletrônica com que ela é equipada. Só o controle de tração dessa Multistrada tem 8 níveis personalizáveis, dentro dos 4 módulos de opções de pilotagem. Tudo isso elevado à segunda potência, noves fora deixa qualquer um maluco.

Painel completíssimo com várias funções

No punho esquerdo estão os botões pra controlar tudo isso e é outra área que exige paciência e aprendizado. Fico imaginando o desespero do vendedor fazendo a entrega técnica dessa moto. “O sr. dispõe de duas horas para eu estar mostrando todas as funções?”.

Punho esquerdo com seletor de funções

Esquece isso tudo também porque só interessa pra quem investir os 60.000 reais (OK, tem R$ 100,00 de troco) nessa motoca. Se não vai comprar, saiba apenas que dá pra controlar freios, tração, acelerador tudo para deixar a moto adaptada a qualquer condição de piso ou de piloto.

Punho direito com partida e corta-ignição

Como comecei a descrever lá em cima, saí para a primeira seção de testes com os freios ABS (Bosch de última geração) no nível 1, o que deixava a moto derrapar de traseira. Assim como o controle de tração no módulo mais permissivo. Entrei na pista e soquei a mão no acelerador. Eu confio 100% na eletrônica, deito a moto na curva e no auge da inclinação abro o acelerador com tudo. Da mesma forma testo o ABS e meto e mão no freio dianteiro no meio da curva para ver como o ABS reage. Esse sistema da Bosch percebe que a moto está inclinada e desvia a ação do freio dianteiro para a roda traseira. No dia que o ABS ou o controle de tração dessas motos modernas falharem terão de me buscar lá na constelação de Órion!

Freios Brembo, rodas de liga e pneus Pirelli Scorpion Trail II (Fotos: Mario Villaescusa)

O mais incrível foi poder comparar na mesma situação, pista e piloto as Multistrada 1200 e 950. Fiz o mesmo teste com as duas: engatei a sexta (e última) marcha e deixei a rotação cair ao máximo antes de o motor começar a falhar. Com a 1200 ele começa a pipocar a 2.000 rpm, já a 950 desce até 1.800 rpm que é quase a rotação de marcha lenta. Esse parece um teste meio besta, mas permite avaliar uma característica de distribuição de potência e torque que na Itália chamam de erogabilidade, mas nunca achei uma tradução em português. É tipo a “acelerabilidade” de um motor em todos os regimes de rotação. É como a minha “sketabilidade”, que, aliás, nesta moto é de 100%.

A Ducati Multistrada 950 passou no teste de skatabilidade. (Fotos: Johanes Duarte)

Outra mania besta que tenho nos testes é fuçar nos botões todos. Primeiro, com o módulo mais liberal, depois vou aumentando o grau de interferência eletrônica. Ou seja, saio do “Valha-me Deus Nossa Senhora”, até o “tiozinho domingueiro” para avaliar todas as possibilidades. São quatro níveis pré-determinados:

– Turismo: fornece toda a cavalaria, mas com o controle de tração (DTC) no nível mais alto, assim como o ABS.

– Esportivo: Todos os 113 CV à disposição, mas com DTC no nível 4 e ABS no nível 2.

– Urbano: limita a potência a 75 CV, o DTC fica ainda mais regulado no nível 6 e o ABS no máximo nível 3.

– Enduro: também limita a potência a 75 CV; o DTC vai pro nível 2 e o ABS fica no nível 1, que deixa a roda traseira livre para derrapar.

Dentro desses níveis ainda é possível personalizar, por isso a quantidade de variáveis é de pirar o cabeção de quem não gosta de ler manuais!

Na prática é o seguinte: se for viajar com tempo seco deixa no modo Turismo e curta a paisagem. Se for fazer track-day (sim é possível entrar na pista com essa coisinha fofa) coloca no nível esportivo e prepare a adrenalina porque o controle de tração permite uma leve escorregadela. Você não vai cair, nem sair voando, mas pode perder uma cueca! Se estiver rodando na cidade deixa no Urbano, pois é bem mais fácil de gerenciar os 75 burricos do que soltar os 113 cavalos na ruazinha do seu bairro. E finalmente se quiser pegar terra, mantenha no enduro, mas pode até deixar o ABS no nível 2, principalmente se estiver molhado. E em qualquer lugar se cair um toró pré-diluviano deixe no modo urbano porque os freios e a tração ficam 100% atuantes e isso salva muitas cuecas.

Do pó viestes…

…Ao pó retornarás! Sim, porque podem dar o nome que quiser neste estilo de moto: big trail, crossover, multiuso, multibike, etc., que nada disso importa. O que interessa é saber se pode ou não rodar na terra de verdade, ou se é tipo os jipes de Barbie que só pisam no asfalto da Oscar Freire.

Uma dica: um dos conceitos mais difíceis da engenharia é o tal COMPROMISSO! Significa o seguinte: quanto um veículo de uso misto pode atender bem todas as situações de uso? Graças à eletrônica, é possível fazer uma moto como essa Multistrada 950 se dar muito bem na estrada de terra e não passar vexame numa estrada sinuosa ao lado das esportivas. Só que tudo tem limites. Nunca será tão eficiente quanto uma superesportiva, nem vai encarar a lama como uma verdadeira enduro.

Para conseguir esse compromisso foi fundamental colocar o pessoal da engenharia junto com a fábrica de pneus para encontrar um sapato que funcionasse bem em todo arco de utilização. Foi assim que nasceu esse novo Pirelli Scorpion Trail II, único pneu destinado a uma moto de uso misto com bi composto na traseira. No asfalto eu comprovei que pode levar ao limite da insanidade, sem levar sustos. E na terra, sem lama, consegui me sentir seguro a ponto de abusar algumas derrapadas. Claro que se pegar uma lama vai ser um sufoco, mas é muito melhor do que pegar o mesmo piso com um pneu puramente esportivo ou numa moto de guidão baixo.

Na terra dá até para arriscar umas brincadeiras.

Outro detalhe desse pneu é a curvatura acentuada da banda de rodagem. Normalmente um pneu de uso misto precisa dar mais área de contato com o solo em linha reta para aumentar a aderência, sobretudo nas frenagens. Só que na hora de fazer curva no asfalto esse banda menos curva deixa a moto lenta para deitar e voltar. O desafio foi fazer um par de pneus que pudesse ser eficiente no asfalto e manter a aderência em linha reta sem deixar a banda muito larga. Pois foi o que esse novo Scorpion conseguiu. Ajuda bastante a roda dianteira de 19 polegadas.

Teste na pista Haras Tuiuti. Estabilidade de moto esportiva em corpo de big trail. (Fotos: Mario Villaescusa)

Confesso que sou meio xiita com relação às motos de uso misto. Sempre tive esse tipo de moto e gosto de entrar e sair da terra sem fazer absolutamente nada na moto, nem altero a calibragem dos pneus pra ver se é efetivamente dual porpouse mesmo ou é só marquetchim! Fiz isso com a Honda NC 750X, com a BMW GS 1200, etc., e agora com essa italiana de cabeça chata. E funcionou!

Só aconselho a quem for pegar longo trecho de terra a retirar a borracha de proteção das pedaleiras para dar mais aderência à sola da bota. É muito fácil de tirar.

Nestes testes de autódromo não conseguimos avaliar consumo, mas o tanque de 20 litros pode garantir aí uma autonomia média de 400 quilômetros. Outra avaliação fácil de prever, mesmo sem fazer na prática, é o conforto para garupa. As suspensões são ajustáveis para se adaptar à carga com uma ou duas pessoas. Pode encarar muitos quilômetros de estrada com alguém na garupa sem a menor preocupação, inclusive conta com bagageiro de série já com os encaixes para as bolsas laterais e top case. Por isso, no rigoroso critério de avaliação, que inclui a skatabilidade, foi aprovada 100%. Da mesma forma, nosso já mundialmente conhecido IPM (Índice de Pegação de Mina ou Mano) é louvável, quase nota 10, diria que 9,5 porque 10 só quando tem aparelho de som. A cor vermelha (mulherada se amarra num rouge), o banco espaçoso da garupa, as suspensões progressivas e capacidade para levar três malas é tudo que uma boa garupa deseja!

Em suma, é efetivamente uma uso misto, com desempenho de esportiva quando precisa e pode encarar uma estrada de terra suave. Ah, entre os acessórios disponíveis estão um para-brisa maior e o escapamento esportivo. Se fosse na “minha” Multistrada colocaria esses dois, porque protege mais o piloto numa estrada e o ronco desse motor com esse escape fica simplesmente musical, sem estourar os tímpanos de ninguém!

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Tite Simões – Jornalista, instrutor de pilotagem dos cursos SpeedMaster e ABTRANS de Pilotagem (www.abtrans.com.br)

Contato: info@abtrans.com.br

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Ficha Técnica

Motor Testastretta: de 2 cilindros dispostos em L, 4 válvulas por cilindro, comando de válvulas Desmodrômico, refrigerado por líquido.

Cilindrada: 937 cm3

Diâmetro x curso: 94 mm x 67.5 mm

Potência: 113 cv @ 9.000 rpm

Torque: 96.2 Nm @ 7.750 rpm

Injeção de combustível: injeção eletrônica de combustível Bosch, corpos de aceleração cilíndricos com Ride-by-Wire, diâmetro de 53 mm.

Câmbio: 6 marchas

Relação final: por corrente

Embreagem: Multidisco em banho de óleo operada mecanicamente, ação deslizante em redução para evitar travamento.

Chassi: Quadro de treliça de aço tubular

Suspensão dianteira: Garfo KYB invertido com bengalas de 48 mm totalmente ajustável; curso de 170 mm.

Roda dianteira: em liga fundida 3” X 19”

Pneu dianteiro: Pirelli Scorpion Trail II 120/70 R19

Suspensão traseira: Monoshock Sachs totalmente ajustável, com ajuste remoto de pré-carga de mola, braço oscilante duplo de alumínio, curso 170 mm.

Roda traseira: em liga fundida 4,50” X 17”

Pneu traseiro: Pirelli Scorpion Trail II 170/60 R17

Freio dianteiro: com 2 discos semiflutuantes de 320 mm, pinças Brembo Monobloc montadas radialmente, 4 pistões, 2 pastilhas, com ABS.

Freio traseiro: disco de 265 mm, pinça flutuante de 2 pistões, com ABS

Peso a seco: 204 kg

Peso em ordem de marcha: 227 kg

Altura do banco: 820 mm, 840 mm ou 860 mm.

Distância entre eixos 1.594 mm

Capacidade do tanque de combustível: 20 litros

 

 

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Emilio Camanzi

Emilio Camanzi

Emilio Camanzi  é um jornalista experiente e formador de opinião, com mais de 56 anos de trabalho dedicados a área automobilística. Seu trabalho sempre foi norteado pela busca da seriedade e credibilidade da informação. Constrói suas matérias de forma técnica, imparcial e independente, com uma linguagem de fácil compreensão. https://www.instagram.com/emiliocamanzi/ 🙋 PARCERIAS: comercial@carroscomcamanzi.com.br