A poeira ainda não baixou sobre a retirada da Ford como produtor de veículos no Brasil. Além das implicações econômicas e políticas, é natural que surjam notícias de todos os lados. O fervor dos acontecimentos chegou ao ponto de sugerir que os empregados da fábrica de Taubaté, SP pudessem formar uma espécie de cooperativa para administrar as instalações. Obviamente, isso não acontecerá, pois sem mercado não há para quem vender a produção.
O governo da Bahia correu para bater às portas da embaixada chinesa, em Brasília, na esperança de que algum fabricante do país asiático pudesse assumir ou comprar a fábrica de Camaçari. O presidente da CAOA, Carlos Alberto de Oliveira Andrade, também disse que “com alguma ajuda” teria interesse na fábrica baiana. Esta tem capacidade até 300.000 veículos por ano, incluindo a unidade de motores 1-litro local.
A Ford tem ativos fabris no Brasil difíceis de vender. No entanto, a possibilidade de a marca encolher e apenas importar produtos da Argentina, Uruguai, China, EUA e Canadá não deve ser o cenário definitivo. Depois de reservar US$ 4,5 bilhões (R$ 23 bilhões) para enfrentar todas as indenizações e despesas, daqui a quatro ou cinco anos poderá voltar a produzir no Brasil. Mas não com fábrica própria. Nada de produto com baixo valor agregado, alto índice de localização das peças ou sem rentabilidade.
Hoje, VW e Ford já têm acerto de colaboração envolvendo picapes médias, furgões e novas tecnologias. Na Europa, a Ford lançará um modelo elétrico a partir da arquitetura modular MEB da VW que deu origem ao ID.3, ID.4 e outros ainda virão. Na África do Sul, a Ford produzirá as novas Ranger e Amarok.
Portanto, embora a Autolatina no Brasil e na Argentina, entre 1987 e 1996, não terminasse em troca de flores, as duas marcas voltarão a colaborar, industrialmente apenas, aqui.
Em meia década, porém, o País deve encontrar um rumo para melhorar o ambiente de negócios e fechar o tal manicômio tributário. Os incentivos, baseados em renúncias fiscais, prosperaram porque os impostos sobre automóveis são os mais altos do mundo. Governos nos três níveis querem tirar a sua parte e até aumentá-la, como aconteceu agora com o ICMS em São Paulo.
Quem sabe os políticos agora caiam na real.
Stellantis estreia com ambições claras
O presidente-executivo da Stellantis, resultante da fusão entre PSA e FCA, o português Carlos Tavares, de 62 anos, resumiu o mote da nova empresa nascida no último dia 16: “Excelência é melhor do que ser grande”.
Pragmático, ele já passou pela Renault, desentendeu-se com Carlos Ghosn, da aliança Renault_Nissan, foi para a PSA, equacionou seus problemas e liderou a compra da Opel/Vauxhall da GM, na Europa.
Tavares mostrou estar focado em manter todas as fábricas abertas em mais de 30 países, além dos 400.000 empregados do quarto maior grupo automobilístico do mundo. A missão, sem dúvida, será difícil, pois o grupo reúne 14 marcas. Além de cinco culturas automobilísticas diferentes: francesa, italiana, alemã, inglesa e americana.
Na sua primeira entrevista, ressaltou muitos desafios. Um deles é aumento de custos entre 20% e 40% que os governos, principalmente europeus, estão impondo às fabricantes em termos de eletrificação acelerada, emissões e segurança veiculares. Disse que dará atenção à mobilidade compartilhada, embora isso possa diminuir as vendas globais de veículos.
Apesar de não ter comentado diretamente, deixou a entender que menos carros vendidos são um desafio para manter a rentabilidade mínima e saudável de 7%, antes de impostos e amortizações.
Quanto à América do Sul, delegou ao italiano Antonio Filosa, executivo-chefe da ex-FCA, o comando de todas as operações da Stellantis no continente. Entre as decisões da nova administração na região estão a integração parcial (no primeiro momento) das redes de concessionárias Fiat e Peugeot/Citroën, além da utilização dos novos motores Fiat turbo flex em produtos das duas marcas francesas.
Renault focará em modelos rentáveis
A pandemia tem levado as marcas a cuidar ainda mais da saúde financeira. Luca De Meo assumiu o comando mundial da Renault há seis meses e anunciou agora seu plano “Renaulution”. Entre outras estratégias, ampliará arquiteturas integradas com a Nissan e atuação mais focada em rentabilidade do que em participação de mercado.
Isso se aplica também ao Brasil e desde o ano passado a meta de alcançar 10% de participação deixou de ser a prioridade. Se a produção não for minimamente rentável, vendas diretas a locadoras e frotistas serão definitivamente afetadas.
A Renault lidera a venda de elétricos e híbridos na Europa e De Meo reafirmou essa prioridade. Em breve, a marca anunciará um novo ciclo de investimentos no Brasil. O que se sabe até agora: foco nos “andares” de cima do mercado, sinergias com a Nissan e motores turbo flex visando diminuição de consumo de combustíveis e emissões.
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Coluna Fernando Calmon nº 1.133
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