Rota 2030 – A rota que alivia, mas não resolve

A aprovação do programa Roda 2030 (Medida Provisória 843) no Senado, é visto pela indústria como uma salvaguarda para os próximos anos. O texto que substitui o Inovar Auto é um documento muito peculiar de como as coisas são resolvidas no Brasil. É a partir dele que a indústria saberá o que precisará incorporar em seus carros, goela abaixo, nos próximos 15 anos. Em contrapartida a indústria se resguarda dos devaneios tributários do governo.

O Brasil tem sido uma mãe para a indústria do automóvel. Quando um fabricante decide seu interesse em fabricar por aqui, sempre há uma corrida entre estados para receber o empreendimento. Cada um corteja como pode, geralmente com um gordo pacote de incentivos fiscais, isenção e tributos, benfeitorias viárias, demais ofertas. Se não bastasse, boa parte da obra é realizada com financiamento público.

Por outro lado, a indústria precisa se curvar ao peso da política tributária brasileira que é quase draconiana. Não é raro ouvir lamentos dos fabricantes que vêm a público com pires nas mãos chorar suas pitangas. Reclamam que a luz está cara, que a água está cara, que os encargos trabalhistas estão pela hora da morte, que os gastos de logística são assustadores devido à falta de infraestrutura viária, dentre outros lamentos.

Se você parar para pensar bem, aqui é um dos únicos lugares do planeta em que um CNPJ sente na pele as agruras de uma pessoa física. Uma das formas que a indústria recorre para sensibilizar o governo é apelar para ameaças de corte de pessoal. E geralmente funciona. Quando o facão passa numa montadora, sempre é um soco forte no estomago da União.

Remendos

E para tentar amenizar a situação fabricantes e governo costuram programas como o Rota 2030, Inovar Auto e Pró-Álcool. Um dos pilares do programa é elevar o nível de eficiência dos automóveis e conceder incentivos para a comercialização de modelos híbridos e elétricos. Esses incentivos serão estabelecidos de acordo com o grau de eficiência energética de cada produto, numa escala de desconto na alíquota do IPI que variará de 7 a 20%, ao contrário dos 25% fixados para os demais automóveis.

Por sua vez, o governo federal exige que os automóveis se tornem mais amigáveis ao meio ambiente nos próximos 15 anos, num processo dividido em três etapas. Para os próximos cinco anos, os automóveis deverão ficar 11% mais eficientes e melhor equipados até 2027. Mas para que a indústria cumpra com suas metas, o governo terá que conceder incentivos fiscais. O texto prevê incentivos de até R$ 1,5 bilhão ao ano para empresas que investirem R$ bilhões em pesquisas no Brasil.

Outro ponto do acordo é o fim da sobretaxa para importação de automóveis. Para quem não se lembra, durante o período do Inovar Auto foi estipulado uma sobretaxa de 30 pontos percentuais sobre a alíquota do IPI para automóveis importados, com exceção de veículos vindos de países integrantes do Mercosul e o México. Segundo a agência EBC, com o fim do programa, as importações de automóveis cresceram quase 50%. A medida estabelecida em 2012, foi considerada protecionista por importadores e foi condenada pela Organização Mundial do Comércio, no ano passado.

Ninguém é santo

Ou seja, o Rota 2030 chega como mais um remendo para tentar amenizar o real problema da economia brasileira que é sua política tributária. O governo é feroz quando o assunto é cobrança de impostos. Temos uma das cargas tributárias mais pesadas do mundo. PIS, Cofins, ISS, IPI, ICMS são ingredientes de uma sopa de letrinhas indigesta. De acordo com a Associação dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), a carga tributária sobre um automóvel varia de R$ 48,2% a R$ 54,8%, o que impacta na produção.

A indústria não santa. Longe disso. Basta conversar com qualquer executivo do setor automotivo que ele irá de convencer que muitas vezes o gasto de R$ 38 com ganchos do tipo Isofix (que podem impedir que seu filho morra numa colisão) pode provocar um rombo na rentabilidade da fábrica.

E o pior, você tenderá a concordar pois na indústria todo custo deve ser equalizado, senão o negócio quebra. Mesmo que no Brasil a margem de lucro das fabricantes seja o triplo do que é faturado nos Estados Unidos. E quem afirma isso não sou eu, mas um levantamento feito pelo O Globo em 2016.

Segundo o jornal carioca, enquanto a margem nos EUA gira em torno de 2%, por aqui pode chegar a até 10%. Ou seja, num carro de R$ 100 mil, R$ 10 mil entra para o bolso do fabricante limpinho, pois os outros R$ 90 mil já pagaram todos os impostos, água, luz, telefone, cegonheira, folha de pagamento. Se fosse na terra do Tio Sam, seriam apenas R$ 2 mil. Ou seja, ela se vale do peso tributário para praticar uma política de preços elevados.

Mas fato é que enquanto o Brasil não passar por uma reformulação de seu modelo tributário, continuaremos convivendo com textos como o Rota 2030, que afrouxa um imposto ali, outro aqui, em troca de um carro mais eficiente e menos inseguro. Mas o cidadão poderia ser mais atuante nesse contexto. Afinal se eu, você, sua prima ou seu vizinho não aceitar pagar pelo o que é cobrado…

E vida que segue!

 

 


 

Marcelo Jabulas é Jornalista e Designer Gráfico.

Está na área desde 2003, atualmente é o editor do caderno HD Auto, do jornal Hoje em Dia, de Belo Horizonte. Figura presente em todos os lançamentos, salões do automóvel e eventos da indústria automobilística. Para relaxar, tem como hobby escrever para seu blog de games, o “GameCoin” (www.gamecoin.com.br).

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Ver comentários (1)

  • Marcelo, 10% é o dado "oficial". As montadoras não revelam o real; sequer publicam balanços. O que elas fazem chama-se chantagem. Por mim, todas que ameaçassem ir embora deveriam ganhar um "já vai tarde". Como isso não será feito por nenhum governo, a solução seria não comprar. Mas , como fazer isso num país em que o transporte público de qualidade não existe?

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