Estamos falando do início do século XX, lá pelos idos de 1900. New York já era a segunda cidade mais populosa do planeta, com 3 milhões de habitantes, perdendo a liderança apenas para a cidade de Londres. Naquela época, esse mundaréu de gente se locomovia apenas através da tração animal: Cerca de 200 mil cavalos tracionavam carroças, charretes, bondes e veículos que funcionavam como ônibus, levando as pessoas a todos os cantos da então maior metrópole das américas.
Agora, vamos imaginar a qualidade de vida das pessoas que viviam em New York. Lembram-se quando eu disse que cerca de 200 mil cavalos moviam a cidade e sua economia? Pois bem, esses simpáticos bichanos, tem lá suas necessidades fisiológicas. Consultado, o competente veterinário Dr. Pedro Henrique Pina Silva me disse que podemos considerar, em média, que um cavalo saudável, produz cerca de 5 quilos de cocô por dia e aproximadamente de 10 a 12 litros de xixi diariamente.
Já imaginaram, 200 mil cavalos fazendo coco e xixi nas ruas, qual o resultado prático disso? Pois eu conto: São 1 milhão de quilos de coco pelas ruas somados a 2 milhões de litros de xixi despejados ao dia pelas ruas. Além do cheiro insuportável, os administradores da cidade de New York tinham que tirar toda essa sujeira das ruas e colocá-la em algum lugar. Há relatos de terrenos baldios com montanhas de fezes de cavalo mais altas que um edifício de 6 andares. Além do cheiro, é claro, havia também o riscos de doenças, pois moscas que pousavam nessa sujeira também pousavam nas pessoas. Um cenário terrível!
Se você pensa que toda a desgraça parou por aí, está errado. Se considerarmos um índice de morte desses cavalos ao redor de 1%, pois os animais eram muito castigados pela enorme carga de trabalho e poucos cuidados com veterinários, chegamos facilmente a cerca de 2 mil cavalos morrendo diariamente pelas ruas. Quando isso acontecia, o dono do animal simplesmente soltava dele o veículo que ele puxava e o deixava ali mesmo. Um outro problema muito sério para a cidade americana.
Os automóveis no início do século eram poucos e para poucos: Só pessoas muito ricas tinham acesso a veículos construídos artesanalmente por um custo altíssimo. Nesse tempo, surgiu o salvador da pátria: O famoso inventor e criador do carro popular Henry Ford. Contrário ao que todos os outros fabricantes faziam, carros caros e sofisticados para pessoas muito ricas, Ford surgiu com o conceito de que o carro deveria ser produzido em larga escala e a um custo baixo, favorecendo a grande maioria da população.
Ford idealizou o modelo T, um carro de concepção simples mas extremamente robusta, um veículo que deveria durar muitos anos, rodar muitos quilômetros com baixo consumo de combustível e manutenção reduzida e que poderia ser comprado por menos de 800 dólares, em uma época em que os carros mais baratos do mercado custavam sempre acima dos 5 mil dólares. Ford projetou o modelo T de maneira que tivesse o mínimo de peças que, segundo ele, além de reduzir o custo de aquisição, diminuíam também o custo de manutenção e a possibilidade de quebra. Simplicidade era a palavra de ordem.
Para reduzir os custos, havia uma frase bem humorada do construtor americano que dizia :” você pode comprar o Ford modelo T de qualquer cor, desde que seja preto”. Essa política de Henry Ford, acabou fazendo com que o carro passasse a ser uma opção bem mais interessante e prática do que ter um cavalo. Em um curto espaço de tempo a cidade de New York foi mudando seu panorama e os automóveis populares do Sr. Ford foram ocupando as ruas e avenidas dos grandes centros urbanos de New York e das principais cidades norte americanas.
Depois de 1910 aproximadamente, quando Henry Ford idealizou com os seus colaboradores a criação da linha de montagem, o preço do modelo T caiu para menos de 400 dólares a unidade. Foi a popularização que Henry Ford imaginava no seu sonho de carro para todas as famílias. Afinal de contas, o que significava aquela fumacinha azulada que saia pelo cano do escapamento do Ford T, quando comparada a toda aquela sujeira que o cavalo produzia? Na época o carro foi a solução dos grandes problemas enfrentados pelos grandes centros urbanos das cidades norte americanas, que tinham o mesmo problema de New York de coco e xixi e cavalos mortos, que esse tipo de locomoção animal gerava.
Certamente Henry Ford não imaginava que em pouco menos de 120 anos sua marca teria 90 fábricas espalhadas por todos os cantos do mundo, produzindo mais de 5 milhões de carros ao ano e gerando empregos para mais de 200 mil colaboradores. Aqui no Brasil, além de produzir e desenvolver carros, a Ford também trabalha nas questões sociais. Agora que enfrentamos essa crise mundial na saúde, a marca que Henry Ford criou no início do século XX, contribui com doações para obras sociais e até destinou o trabalho de engenheiros e técnicos de manutenção para consertos de respiradores para hospitais do nordeste. Um trabalho que foi muito além da fabricação de carros em massa e das soluções dos problemas gerados pela tração animal utilizados em larga escala no início do século XX.
Fotos: internet
Douglas Mendonça é jornalista na área automobilística há 46 anos.
Trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e foi diretor de redação da revista Motor Show até 2016. Formado em comunicação pela Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Engenharia Paulista (IEP).
Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e a Mil Quilômetros de Brasília em 2004.
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