Como fazer para conquistar o bem mais valioso da vida
Por Tite Simões
Qual o bem precioso que não pode ser dado, nem tirado, nem comprado, alugado, emprestado, oferecido ou distribuído? O tempo! Hoje, as pessoas se desdobram para articular suas vidas de forma a aproveitar ao máximo as 16 horas do dia em que ficam acordados. Nesse período precisam administrar o tempo para se alimentar, trabalhar, estudar, se divertir, se exercitar, ficar com a família, de forma a sobrar oito horas para dormir. Nem todo mundo consegue.
Lilian*, 24 anos, tinha um sonho: ser enfermeira. Mas, para conseguir, era preciso fazer um cursinho pré-vestibular, o que a estava torturando, pois para pagar o cursinho era preciso trabalhar duro. Ela mora na zona leste de São Paulo, trabalha na zona sul e estuda no centro. São 32 quilômetros de distância que ela percorre para ir de casa para trabalho. E mais 32 para voltar, com a parada no cursinho. Para fazer esse percurso de ônibus, Lilian precisava de duas horas e quinze minutos, em média, apenas em um sentido. Ou seja, quatro horas e meia para se deslocar de casa para o trabalho, estudo e voltar. Sobravam menos de quatro horas para dormir e estudar!
Até que Lilian percebeu que a saúde estava prejudicada porque simplesmente não conseguia se alimentar direito, se exercitar e muito menos dormir. O estresse a fez engordar quase dez quilos em apenas um ano e a perspectiva era piorar esse quadro, até que viu uma saída bem debaixo dos seus olhos. “Quando eu estava no ônibus, vi uma moça passando com uma motoneta entre os carros e ela foi embora, enquanto eu fiquei ali, parada um tempão”! Depois de convencer a família, Lilian decidiu comprar um scooter usado, fez a moto-escola, tirou habilitação e fez a experiência de atravessar a cidade em duas rodas. “Sempre tive bicicleta a vida toda, adoro a sensação de liberdade que dá, mas nunca tinha pensado numa moto. Foi uma mudança radical na minha vida. Na primeira vez que fui para o trabalho com a ‘motoquinha’ cheguei tão cedo que fiquei esperando a empresa abrir”!
Mais acostumada com a dinâmica da scooter e com o trânsito, Lilian passou a fazer aquele mesmo percurso em 45 minutos! Ela ganhou três horas por dia, todos os cinco dias da semana, usando o scooter em vez de ônibus.
“Minha vida mudou muito! Consigo dormir mais, estudar e ainda tomo café com a minha família, o que não conseguia há mais de seis anos”!
E se alguém perguntar qual foi a maior conquista que a “motoquinha” lhe deu?
“Qualidade de vida! Entrei na faculdade e ainda consigo fazer academia”!
Como comercializar o tempo?
Esta personagem é real e como ela existem centenas de milhares de Lilians, Marias, Antônios, Josés que convivem com o drama da “falta de tempo”. São pessoas que deixam de estudar, de crescer profissionalmente, cuidar da saúde, ficar com os filhos, porque passam muito tempo se deslocando no trânsito. Se pudessem, comprariam mais tempo. Mas o tempo é uma grandeza que não é comercializada, quer dizer, em vez de comprar mais tempo, pode-se perder menos tempo.
O deslocamento nas grandes cidades é o grande desafio para administrar o tempo. Hoje já se detectou que essa necessidade é tão importante que os jovens não se preocupam mais com automóveis ou casa própria. Descobriram que o maior benefício do aluguel é a possibilidade de morar perto do local de trabalho. E desprezam o automóvel porque as grandes cidades não estão mais comportando tanto carro nas mesmas vias. Reduzindo o percurso casa-trabalho, pode-se até mesmo abrir mão de veículos motorizados e partir para meios como bicicleta ou mesmo taxi.
Neste contexto, a moto ganhou uma nova abordagem. Para alguns ela é essencial para melhorar a qualidade de vida. Passam menos tempo se deslocando e usam o tempo para atividades mais nobres. Ou enxergam a moto como um veículo de fim de semana, só pelo prazer de viajar em duas rodas. Assim como os barcos, alguns tratam a moto como um bem essencialmente voltado ao lazer.
Mas quando olhamos para os números recentemente anunciados pela ABRACICLO – associação que reúne fabricantes de motos e bicicletas – vemos algo que não combina com essa realidade: as vendas de moto estavam despencando em um ritmo assustador.
Como explicar que um veículo que pode promover a qualidade de vida, está vivendo um período de queda nas vendas que é quase 50% a menos do que quatro anos atrás? Bom, parte está na conjuntura econômica que tirou não só os empregos (e dinheiro) dos brasileiros, mas também a confiança no futuro. Quem tem dinheiro guardado simplesmente não gasta porque não sabe o dia de amanhã. Mas acredito que também falta mostrar aos brasileiros o quanto a moto pode melhorar suas vidas.
Basta ver como são feitas hoje as propagandas de motocicletas. São voltadas para a venda ao varejo, com anúncio de descontos, maior garantia, revisões grátis, troca de óleo grátis, parcelamento sem juros, troca com troco etc. A indústria e o varejo focam toda a publicidade apenas em cima de custo x benefício, mas esquecem de mostrar o real benefício.
O que a indústria precisa vender não é moto, mas tempo!
Tem um tempo aí?
Outro equívoco promovido não só pela indústria, mas também pela mídia especializada (e eu me incluo nela), foi vender a ideia de que moto serve para ganhar tempo, por ser um veículo ágil no trânsito.
Esta proposta, que aparentemente parece lógica e inofensiva, trouxe na garupa um componente perigoso, porque a agilidade é um conceito primo-irmão da velocidade. Além disso, o conceito de ganhar pressupõe que também pode-se perder. Colocando esses dois conceitos lado a lado temos aí sim a perigosa mensagem que moto é feita para ganhar tempo, por isso você precisa correr. Mas não é verdade!
Ninguém ganha tempo, porque além de ser uma medida abstrata, o relógio tem um limite físico que são os 60 segundos. O máximo que podemos fazer é não perder tempo. Por isso o conceito a ser trabalhado precisa mudar de foco: a moto não é um veículo feito para ganhar tempo, porque com ela nós não perdemos tempo!
O cérebro é uma meleca cinzenta totalmente programável. Assim como um computador, ele precisa que sejam fornecidos dados certos para administrar e gerenciar as ações. Dependendo da forma como esses dados são imputados, o resultado pode ser o benefício ou a – literal – dor de cabeça. Daí a importância vital de apresentar a moto de forma que o cérebro assimile o que ela tem de bom a oferecer e não a possibilidade de visitar o pronto-socorro.
É por isso que fico visceralmente enraivecido quando vejo “profissionais” de segurança exibindo acidentes com motociclistas, na crença ingênua de que a imagem servirá de lição. Eles se esquecem que o cérebro é programável e assimilar o acidente (o lado ruim da moto) pode não apenas servir para absolutamente nada em termos de ensino, como causar um trauma que irá tirar a naturalidade de pilotar.
Sim, vender moto não é fácil, sobretudo em um período de recessão econômica. Talvez se fábricas e entidades ligadas a ela mostrassem o maior benefício das motos, as coisas poderiam mudar. Pense na Lilian. Ela só conseguiu melhorar de vida depois que aprendeu a valorizar o tempo e isso foi obtido graças a moto. Quem, nesse mundo, tem CINCO horas para usar apenas em deslocamento? As três horas a menos que ela conquistou foram vitais para estudar e entrar na faculdade. Hoje ela é enfermeira, bem-sucedida, graças apenas a uma mudança de postura.
Engana-se quem vende a moto como um veículo feito para ganhar tempo, porque com ela a gente simplesmente não perde tempo. Esse é o conceito que o cérebro precisa assimilar para traduzir em uma pilotagem segura sem necessidade de correr. As pessoas que você vê correndo e se acidentando no trânsito são pessoas que correriam e se acidentariam com qualquer veículo, ou até a pé. Porque o cérebro delas foi programado para ganhar tempo a qualquer custo, mesmo que o preço a pagar seja a vida.
Em mais de 40 anos pilotando moto em São Paulo, posso dizer que já devo ter acumulado tempo correspondente a alguns anos. Pena que não posso dar esse tempo para ninguém.
* Os nomes foram alterados para preservar a identidade.
Tite Simões – Jornalista, piloto de teste e instrutor do curso Abtrans de Pilotagem.
Contato: info@abtrans.com.br
Fotos: Tite Simões e Caio Mattos