O que ninguém conta sobre os carros elétricos

A rapidez de recarga traz outro problema para os veículos elétricos: o custo do sistema de refrigeração

Mesmo os fãs da nova tecnologia reconhecem que há três desafios que o mercado ainda não sabe como resolver

 

Os principais prós e contras dos carros elétricos já são bem conhecidos por quem costuma acompanhar o tema. Do lado positivo, comemora-se emissão zero de poluentes, silêncio, manutenção barata, muito torque e baixo custo de rodagem. Do lado negativo, lamenta-se o alto preço de compra, a baixa autonomia, a demora na recarga e os poucos postos de abastecimento.

Existem questões, porém, que não costumam aparecer nas análises tradicionais sobre a tecnologia que dominará a indústria automobilística nos próximos anos. São pelo menos quatro desafios para os quais ninguém ainda encontrou resposta. É como se todos estivessem empurrando o problema com a barriga, deixando para se preocupar com isso lá na frente. Vamos entender agora essa bomba-relógio.

 

 

Fábricas não estão prontas

 

Todos os grandes fabricantes de automóveis estão extremamente preocupados com o ano de 2030, data em que boa parte da Europa deve suspender a venda de veículos a combustão. Até nos EUA há estados que vão aderir à proibição: Califórnia, Massachusetts e New Jersey, todos em 2035.

De fato, os fabricantes estão quase desesperados porque não sabem como isso será feito. É pouco tempo para fazer a conversão de um negócio gigantesco que trabalha com um ciclo de produto de longo prazo – são em média quatro anos para fazer um novo projeto de carro a partir do zero. Faça as contas: a Europa tem apenas nove anos para transformar 100% sua indústria em produtora de veículos elétricos, sendo que hoje eles só representam 6% do seu mercado.

Não podemos esquecer que mesmo esse crescimento tímido só ocorreu porque houve ajuda dos enormes incentivos dos governos. Só que é fácil dar benefícios fiscais de até US$ 7.500 (como nos EUA) quanto os elétricos representam uma mixaria nas vendas. Como será na próxima década quando milhões de impostos não forem para os cofres desses mesmos governos?

É por conta desse cenário tão complexo e ainda indefinido que alguns analistas do setor apostam que até 2030 a data de proibição pode ser prorrogada. Assim, só nos resta aguardar para saber como serão os próximos capítulos dessa novela.

 

 

Empregos sob ameaça

 

Carros elétricos são mais simples de construir: demandam 30% menos de trabalho na produção e usam menos componentes – 11 mil contra 30 mil de um convencional. Além de centenas de peças que compõem um motor a combustão interna, ele ainda precisa de sistemas de lubrificação e refrigeração. E nada disso funciona se não houver a transmissão.

Pois saiba que tudo isso é inútil em um veículo elétrico. Fábricas que produzem motores a gasolina, radiadores, câmbios, velas, injeção eletrônica, todas elas vão desaparecer se não fizerem outra coisa. E mesmo que façam, existem fornecedores demais para componentes de menos. E aí temos um grande risco de desemprego pela frente.

Estudo encomendado pela Volkswagen na Alemanha para o Instituto Fraunhofer para Organização e Engenharia Industrial diz que 12% dos empregos dessa indústria devem sumir, já computando as funções que vão surgir. Alguns alertam, porém, que se trata de uma estimativa muito otimista.

O Departamento Federal de Estatísticas da Alemanha (Destatis) calcula que, das 830 mil vagas do setor no país, cerca de 410 mil (49%) serão eliminadas até 2030. Aumente esse número para 2,7 milhões funcionários europeus ligados às montadoras. E nem estamos contando os empregos indiretos em fornecedores. Depois amplie para o restante do mundo para entender a dor de cabeça que nos espera.

 

 

Baterias mais baratas? Não é bem assim!

 

Como ditam as leis do mercado, o aumento da produção traz o ganho em escala e, portanto, a redução de preços. É nisso que apostam os fabricantes de carros elétricos, especialmente na queda do custo da bateria, o item mais caro do automóvel: ela responde por até 40% do preço final do veículo.

Mas essa redução de custo pode não acontecer como se espera. O preço da bateria despencou nos últimos anos: estudo da Bloomberg New Energy mostra que ele caiu 87% de 2010 a 2019. Porém, analistas alertam que, quando boa parte do mundo aderir aos elétricos perto de 2030, a situação vai mudar.

Com o mundo cada vez mais digitalizado, mais produtos estarão conectados à internet e mais celulares e computadores serão vendidos. E todos usam baterias de lítio que têm a mesma tecnologia do veículo elétrico. Só que a bateria do carro elétrico precisa de 100 mil vezes mais energia que no celular. Então dá para imaginar o tamanho do problema que teremos em 2030.

Mesmo que a produção das baterias cresça muito, a demanda por alguns metais usados na sua fabricação crescerá exponencialmente, como o caso do cobalto e lítio. É verdade que o preço do lítio caiu bastante devido a uma super oferta, mas especialistas explicam que isso é uma situação temporária e mudará bastante em 10 anos. E lembrando de novo: os elétricos ainda representam só 6% das vendas atuais na Europa.

Para apimentar esse cenário, as reservas desses dois metais estão concentradas nas mãos de poucos países: 50% do cobalto estão na República Democrática do Congo e 75% do lítio na Bolívia, Chile e Argentina. E, ao contrário de um produto manufaturado, que você pode fabricar onde quiser, os metais só podem ser extraídos em locais que a natureza escolheu.

Há também uma questão técnica que vai dificultar a redução drástica de preço do carro elétrico. Mesmo que as baterias fiquem bem mais baratas com o crescimento da produção, o mesmo não acontecerá com seu sistema de refrigeração.

Assim como num celular, a bateria gera calor quando o veículo é usado e até três vezes mais durante a recarga. Para evitar o superaquecimento, existem sistemas de arrefecimento a ar (comuns nos automóveis elétricos mais baratos) e a líquido (bem caros e que equipam as versões mais modernas). Quanto mais os fabricantes correm atrás de recargas mais rápidas, mas sofisticada (e cara) será a refrigeração da bateria.

A torcida agora é para saber quem vai conseguir desarmar essa bomba-relógio a tempo.

 

 


 

Fotos: divulgação

 


 

Foto: Fernando Pires / www.flpires.com.br

 

 

Consultor do mercado automotivo e jornalista especializado na área há 27 anos, Zeca Chaves foi editor do caderno Veículos da Folha de S. Paulo e trabalhou por 19 anos na revista Quatro Rodas, onde foi redator-chefe. Também é produtor de conteúdo digital no Instagram @zeca_chaves

 

 

 


 

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Ver comentários (1)

  • Some-se a tudo isto, que a demanda por energia elétrica aumentando, subirá o preço da energia fornecida pelas concessionárias que as produzem. Sem contar que, muitas usinas geradoras de eletricidade não são "movidas" à vento e nem à água... E o petróleo na bomba (nos escassos postos que existirem) vai custar US$ 100,00 o galão.
    SOCORRO!
    Salvem-nos dos elétricos e dos automáticos!!!!

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