O estranho causo do Fusquinha que ficou careca sem cortar o cabelo
Já vai longe a época dos meus 20 anos. Estou falando de, pelo menos, 45 anos atrás. Pois bem, nessa época, eu fazia parte de um grupo de amigos e nós tínhamos terminado o Colégio Técnico Industrial, nos formando como técnicos mecânicos. Nessa mesma época, já começávamos a etapa final de nossa formação acadêmica, iniciando o curso de Engenharia Mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI). Uma época em que nossas ideias fervilhavam em nossas mentes, com criações e invenções mirabolantes que tirávamos de nossas cabeças estudantis.
Desse grupo mais próximo de cinco amigos, que inclusive nos relacionamos bem até hoje, pelo menos três (contando comigo) tinham a pretensão de virar pilotos. E a nossa vontade era aplicar todos os conhecimentos mecânicos aprendidos ao longo dos anos em nossos carros de corrida, afinal, pretendíamos estar entre os melhores do país. Sonhos de juventude que acabaram por impulsionar nossas carreiras profissionais. E olha que nos demos até bem como pilotos no início dos anos 80.
Nesse lote de pretensos pilotos, existia o Alvino, meu grande amigo até hoje, que era o mais afoito e vivia aprontando com os carros dos pais pelas nossas ruas e avenidas. Quando começamos o tal curso, sua condução do dia-a-dia era um Fusquinha 1300, creio que ano 1973 ou 1974. Como sempre íamos estudar juntos, fazíamos rodízio de carros durante a semana para economizar combustível. Com isso, por algumas semanas, tínhamos que ir pra faculdade com o tal Fusquinha do pai do Alvino, que tinha um desempenho catastrófico quando estava com os cinco marmanjos dentro.
Mas, o Alvino não usava o Fusquinha 1300 só pra ir estudar e o VW também era o meio de transporte dele quando nos encontrávamos nas farras de sexta ou sábado a noite para beber umas e outras. Éramos politicamente incorretos, porque sabemos que direção e bebida não devem estar juntas em hipótese alguma. Porém, era o que acontecia na época, não apenas conosco, mas com uma boa parte da população brasileira. Infelizmente, é um mal que perdura até hoje e que precisa ter fim.
Em uma certa sexta-feira, a turma se encontrou num bar, como era de costume, e ficou bebendo lá na região dos Jardins, na capital Paulista. Como falávamos muito de carro e situações onde sempre contávamos nossas habilidades para sair de momentos complicados ao volante, nosso amigo Alvino fez um comentário que preocupou todo mundo: segundo ele, tinha uma determinada curva “divertida” na zona norte da cidade que ele fazia com o Fusquinha de lado, controlando a derrapagem e fazendo o famoso “drift”.
Nesse dia, já passava das três da manhã quando cada um foi para a sua casa, já bem alterados pela bebedeira, e a preocupação maior estava com o nosso amigo mais abusado, que, estando sóbrio, já fazia misérias com aquele Fusquinha dos pais. Quando cheguei em casa, logo que entrei, o telefone tocou eu atendi e era o Cabral, outro integrante da nossa turma. O cara foi logo avisando: “O Alvino capotou o Fusquinha, mas não precisa vir pra cá porque ele não se machucou, mas o carro parou com as pernas pra cima. Já desviramos ele pra posição normal, está funcionando e vamos levar o Alvino e o carro pra casa dele. Tá tudo bem!”
Eu fiquei preocupado e fui perguntando mais detalhes sobre o ocorrido. Dentre mais informações, nosso amigo Cabral falou que o Fusquinha tinha ficado… careca. Espera, não estranhe, vou explicar: a capota dos Fusca é ovalada, e tem o topo arredondado, mas, com o capotamento, ele ficou com o seu peso apoiado totalmente no teto, como uma barata morta, e a lataria afundou para dentro. Quando desviraram o carro, ele ficou com o teto reto, parecendo que tinha cortado o cabelo e ficado careca.
O motorista acidentado contou depois, em meio a muita risada, que fez aquela tal curva com o Fusca derrapando de lado, mas no meio da trajetória ele deu de cara com um caminhão estacionado exatamente no caminho do carro, e claro que, nessa situação limite, nem nosso grande campeão Ayrton Senna conseguiria se safar sem uma belíssima capotada. Era a escolha entre bater de lado num caminhão parado e se acidentar feio, ou puxar o volante pra dentro da curva, perder o controle e capotar o carro. Pensando bem, nosso aspirante a piloto tomou a decisão correta.
Segundo ele, quando o carrinho parou, ele ainda estava meio perdido, sem entender muito o que tinha acontecido: o mundo estava de cabeça pra baixo e ele sentado no banco, preso ao cinto de segurança. O que ele não entendia mesmo era o tapetinho do chão, que naquela hora estava no teto, e toda a sujeira do assoalho estava na sua cabeça. Desnorteado, Alvino cometeu outro erro que a grande maioria dos capotados cometem: soltou o cinto sem se apoiar em lugar nenhum, caindo de cabeça direto no teto (que estava no chão) com todo o peso do seu corpo, o que lhe rendeu uma boa dor no pescoço por alguns dias.
Outro ocorrido curioso do momento é que muitos motoristas haviam parado para ajudar no acidente e todos gritavam pra ele sair rápido do carro pois ele iria explodir. Sem dúvida, todo esse povo estava acostumado com os acidentes dos filmes americanos, onde todo carro que capota explode e vira aquela bola de fogo imensa! Depois desse entreveiro que custou ao seu pai uma grana pra consertar o carrinho da família, um outro fato foi inevitável: o VW 1300, mesmo depois de consertado, ganhou da turma o apelido de Careca. Assim, toda vez que nos referíamos a ele, falávamos sempre do Careca. O guerreiro Fusquinha foi uma das muitas vítimas que passaram pelas mãos do intrépido piloto Alvino, hoje um respeitado senhor que continua com a habilidade inegável de pilotar bem, e muito!
Fotos: internet
Douglas Mendonça é jornalista na área automobilística há 46 anos.
Trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e foi diretor de redação da revista Motor Show até 2016. Formado em comunicação pela Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Engenharia Paulista (IEP).
Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e a Mil Quilômetros de Brasília em 2004.
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