Circo dos horrores – uma única palavra define o que aconteceu em 2005 no GP dos Estados Unidos de Fórmula 1: fiasco. A nona etapa do campeonato ficou marcada por uma das maiores controvérsias da história do circo. Após a desistência de 14 carros, apenas seis largaram naquele estranho domingo, 19 de junho. Por que isso aconteceu? Por conta de uma barbeiragem de proporções homéricas da Michelin.
Em 2005, ainda havia uma guerra na F1 entre duas fornecedoras de pneus. A Michelin fornecia compostos para sete equipes e a Bridgestone para três times. Válido também adicionarmos ao contexto algumas mudanças no regulamento que ocorreram naquela temporada. Os pit stops, por exemplo, passariam a ser feitos apenas para reabastecimento. Com isso, os carros deviam usar apenas um jogo de pneus na classificação, em uma volta lançada, e durante a corrida.
A Michelin parecia ter feito o dever de casa direitinho. Até os Estados Unidos, apenas equipes com carros calçados com seus pneus haviam triunfado. A Ferrari, que dominava a categoria desde 2000, sofria usando compostos fornecidos pela Bridgestone. Para o GP de Indianápolis, a expectativa era de que a equipe de Maranello continuasse tendo problemas e que Renault e McLaren disputassem o topo do pódio.
Tudo mudou na sexta-feira
Durante os treinos livres, Ricardo Zonta viu sua Toyota apresentar uma falha no pneu traseiro esquerdo. Logo em seguida, Ralf Schumacher, também da Toyota, enfrentou mesmo problema. Após o estouro do pneu, o carro do alemão bateu com força no muro da curva 13 e, por motivos de segurança, teve sua participação na corrida vetada. Segundo a equipe japonesa, os sensores dos seus bólidos não identificaram nenhum tipo de problema.
No sábado, mesmo com a pole de Jarno Trulli, da Toyota, havia um certo clima de insegurança no ar. A Michelin não conseguia descobrir qual era a origem do problema. Compostos com as mesmas especificações tinham passado, inclusive, por inúmeros testes em Monza, pista que impõe carga considerável aos pneus, e nada foi detectado.
A fabricante, contudo, não tinha como atestar a segurança de seus produtos. A suspeita inicial era de que a curva 13 aplicava força além do suportado pelos pneus traseiros. Foi sugerida, então, a construção de uma chicane na curva do oval, o que reduziria a carga nos pneus. 16 dos 20 pilotos do grid apoiaram a medida. Das equipes, todas concordaram com a sugestão exceto a Ferrari, que, malandra, disse que a decisão final teria que ser da FIA.
A federação, por sua vez, rejeitou a ideia da chicane. Segundo a entidade, não dava tempo para fazer a modificação no traçado de maneira apropriada. Além disso, de acordo com as leis do estado de Indiana, a organizadora teria de ser responsabilizada criminalmente por um acidente grave que pusesse em risco a integridade física dos pilotos, já que tinha conhecimento dos problemas de segurança. Por fim, a FIA considerou “injusta” a construção da chicane com as equipes que estavam com equipamentos adequados para a prova e tirou o corpo fora, atribuindo o quiproquó à Michelin.
Outras alternativas foram avaliadas, como trocar constantemente os pneus avariados, manter a curva 13 em bandeira amarela durante toda a corrida e até mesmo realizar o GP sem o consentimento da FIA, extracampeonato, sem valer pontos para o mundial. Nada disso teve aprovação unânime e a Michelin, então, teve de proibir todas as equipes que usavam seu pneus de participar da prova.
Tudo isso posto, no bizarro domingo, 19 de junho, todos os carros com compostos Michelin deram a volta de apresentação e foram recolhidos para os boxes. Por isso, como mencionado no primeiro parágrafo do texto, apenas seis carros largaram.
E que carros…
Além da Ferrari, as outras duas equipes equipadas com pneus Bridgestone eram as fraquíssimas Jordan e Minardi. A torcida foi à loucura. Os presentes improvisaram cartazes pedindo reembolso, xingaram os organizadores, arremessaram objetos na pista e vaiaram todos os minutos daquela bizarra corrida, que viu, óbvio, a Ferrari com domínio total. Schumacher terminou em primeiro, seguido de Rubens Barrichello. Tiago Monteiro, da Jordan, ficou com a terceira posição. Até hoje, ele é o único piloto português a conquistar um lugar no pódio na F1.
GALERIA DE FOTOS DO GP DOS ESTADOS UNIDOS
Resumo da ópera do GP dos Estados Unidos
Depois de mobilizar todo o seu time de desenvolvimento, a Michelin descobriu que os seus pneus não apresentavam problemas estruturais. O grande problema é que a curva 13 tinha passado por um recapeamento para receber frisos e, por isso, as cargas no pneu traseiro esquerdo não batiam com as contas da fabricante francesa.
As equipes que usavam os compostos da Michelin chegaram a pensar em realizar uma nova corrida, de exibição, fora do calendário, para aplacar a raiva dos fãs norte-americanos. O autódromo de Indianápolis rejeitou. Já a fabricante de pneus reembolsou quem pagou por ingressos para o GP dos EUA. Também sorteou 20 mil entradas para a etapa do ano subsequente. A empresa gastou cerca de 8 milhões de libras nessa brincadeira.
Por sua vez, os pneus Bridgestone seguraram o tranco da curva do oval porque a empresa já fornecia compostos para eventos em Indianápolis, como as 500 Milhas, por meio de uma de suas marcas, a Firestone.
A partir de 2007, o fornecimento de pneus na F1 passou a ser exclusividade de uma única empresa. A Bridgestone foi a responsável por tal até 2010. No ano seguinte, a Pirelli ficou com as honras de fornecedora exclusiva de compostos, posto que ocupa desde então.
Já Indianápolis, templo do automobilismo dos EUA, sediaria sua última corrida de F1 em 2007. A categoria só retornaria à terra do Tio Sam em 2012, mas com corrida no circuito de Austin. O GP dos Estados Unidos é realizado na cidade texana até hoje.
Fotos: Divulgação
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