Aquela história de que “time que está ganhando não se mexe” pode fazer sentido no futebol, mas no mercado de automóveis pode ser uma cilada para o consumidor. Isto porque modelos que lideraram em seus segmentos tendem a perder conteúdos com o passar dos anos. E o pior, também não recebem melhorias. Modelos como Gol, Corolla e Onix são alguns exemplos.
O veterano da VW segue sendo uma das opções mais espartanas da praça até hoje. Levou mais de 30 anos para receber uma transmissão automática e ainda faltam conteúdos que já são realidade na concorrência. O Corolla, só ganhou controle de estabilidade (ESP) na última reestilização. Algo inaceitável para o sedã que é líder de mercado e com preços que superam os R$ 100 mil.
Por outro lado, modelos que disputam os degraus mais baixos do pódio, muitas vezes apelam para pacotes fartos de equipamentos justamente para ganhar a preferência do consumidor. O Chevrolet Cruze oferece um dos motores mais modernos de seu segmento e um pacote de conteúdos que só é oferecido no Brasil. E não é porque a GM é caridosa, mas é que ele precisa fazer volume para justificar sua fabricação na Argentina.
Modelos como o Ka têm buscado oferecer conteúdos como controle de estabilidade, transmissão automática, conectividade e demais atributos para aumentar sua penetração de mercado. O mesmo acontece com o HB20, que disputa justamente com o Ka a vice-liderança do mercado e lança mão de equipamentos como TV digital, ESP, caixa automática e opção de motor turbo para defender seu posto e também arrancar um naco das boas vendas do Onix. Este que em sua confortável posição de líder não quer saber de controle de estabilidade para elevar seu custo.
Isso mesmo, custo. O custo é a palavra-chave. Conversando recentemente com um executivo de uma montadora que figura entre as líderes de mercado. Ele confidenciou, ao pé do ouvido, que existe um grande conflito entre a engenharia e o marketing. Pois sempre há estudos para viabilizar novos conteúdos e que esbarram no custo.
Todo centavo conta
Ele exemplificou: “Um item simples, mas de grande importância em segurança custaria R$ 28 a mais na fabricação de nosso modelo de entrada. No entanto, nas projeções de custo, pode haver o ‘risco’ desse modelo vender 200 mil unidades e esses R$ 28 se transformarem numa fortuna”, explicou o executivo.
Esse raciocínio é um tanto confuso. Afinal se o modelo vende 50 mil unidades, com a economia de R$ 28 por carro, quando se duplica ou quadruplica o faturamento seria maior. Mas mesmo assim impacta na rentabilidade de cada unidade. “Tudo é decidido na ponta do lápis. Se elevar o custo, não entra”, finalizou o assunto, com sorriso amarelo.
Numa conta de padaria feita num guardanapo naquele momento da conversa, seriam necessários R$ 5,6 milhões para amortizar o investimento, caso a previsão das 200 mil unidades se torne uma realidade. Montante que corresponde a quase 200 carros, do modelo em questão, só para pagar a peça. Faz sentido, mas não justifica. No entanto, o consumidor tem sua grande parcela de culpa. Ele tende a comprar o carro que vende mais sob a brilhante ideia de que será mais fácil revendê-lo. É como sair para comer uma feijoada já pensando na dor de barriga. Não faz sentido.
O sujeito quando for comprar um carro tem que colocar no papel todas as comodidades e benefícios que esse carro vai entregar enquanto ele estiver em uso e não na facilidade de se desfazer dele.
Assim, é fácil entender porque modelos de grande volume penam para se qualificar ou nem se qualificam. No entanto, o consumidor não deveria jamais aceitar levar para casa um carro sem conteúdo pelo fato de ser o mais vendido. Afinal, o carro no Brasil custa uma fortuna e deveria receber tudo que poderia ser ofertado e por um preço bem mais decente, seja ele o líder, seja ele o último da tabela.
Marcelo Iglesias Ramos é Jornalista e Designer Gráfico.
Está na área desde 2003, atualmente é o editor do caderno HD Auto, do jornal Hoje em Dia, de Belo Horizonte. Figura presente em todos os lançamentos, salões do automóvel e eventos da indústria automobilística. Para relaxar, tem como hobby escrever para seu blog de games, o “GameCoin” (www.gamecoin.com.br).
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Perfeito, concordo com cada palavra Marcelo!