Motor cinco cilindros do Fiat Marea, o Fivetech: pouca durabilidade ou lubrificação errada?
No final dos anos 90, quando foi lançado no Brasil, o Fiat Marea e sua versão station Weekend inovaram sob muitos aspectos. Um deles foi o que, para nós, era uma novidade: motor de cinco cilindros em linha com duplo comando de válvulas no cabeçote, quatro válvulas por cilindro, que foi oferecido até mesmo em uma versão turbocomprimida e acabou ficando conhecido como Fivetech.
Com 2.0 litros de capacidade cúbica, esse propulsor era marcado por sua boa performance na época: 142 cv de potência e pouco mais de 18 mkgf de torque. Um destaque para os motores com tal cilindrada, permitindo uma condução bem agradável do Marea e Weekend, destacando o peculiar e agradável ruído, proporcionado pelo aparente descompasso no funcionamento. Era delicioso de ser acelerado a fundo.
Como trazia muitas novidades tecnológicas, além das vinte válvulas e do duplo comando delas no cabeçote, esse motor possuía a sofisticação de um variador de fase no comando de admissão, fato que aumentava o desempenho nas mais variadas gamas de rotações, e coletor de admissão de comprimento variável, que melhorava o torque nas arrancadas, por exemplo.
Mas, claro que toda essa tecnologia exigia também cuidados de manutenção mais apurados. Um dos itens de primordial importância era a lubrificação desse motor. Como vinha da Itália, onde era produzido, o 2.0 “Fivetech” exigia em seu cárter lubrificante sintético refinado, pois as tolerâncias de produção e as galerias que conduziam o óleo para as partes móveis eram longas e repletas de nuances que, com o lubrificante incorreto, poderiam comprometer a lubrificação e, consequentemente, a durabilidade do motor.
Nesse meio de caminho, dois erros foram fundamentais para a má-fama desse excelente propulsor: o manual do proprietário, de maneira errada, recomendava a troca do lubrificante a cada 20 mil km, exatamente como recomendado na publicação original europeia. E, para completar, os donos desses modelos desprezaram a recomendação de utilização dos óleos sintéticos, passando a utilizar lubrificantes de origem mineral, totalmente inadequados para as folgas e dimensões das galerias de óleo de um motor refinado como esse.
O resultado disso? Catastrófico. Ao invés do 2.0 de cinco cilindros durar, pelo menos, 200 mil km em uma utilização normal, começaram a surgir casos do motor rajar com 30 ou 40 mil km. Não se deveria esticar a troca até 20 mil km, nem tampouco utilizar óleo mineral.
O problema se agravou ainda mais com a chegada da versão 2.4 desse Fivetech nos Marea e Marea Weekend da linha 2001, quando a potência e torque subiram substancialmente (para 160 cv e 21 mkgf), mas as pessoas mantiveram o padrão de manutenção anterior: óleo mineral e trocas entre longos prazos. Enquanto as revisões eram feitas na concessionária, recomendava-se o óleo especificado pela própria Fiat no novo motor, que continuava sendo italiano.
Mas depois, nos serviços feitos pelos próprios proprietários ou por mecânicos de confiança, passaram a utilizar marcas de óleo mineral que, apesar da boa qualidade, não eram indicados para o Fivetech. Na prática, o 2.4 continuava com a durabilidade comprometida na maioria dos casos, que acabavam durando até 5 vezes menos pelos erros de manutenção.
Infelizmente a má-fama ficou para o Marea, seja sedan ou perua, que passou a ser chamado de “problemático”, “pouco durável”, “carro-bomba” e daí pra pior.
Sucesso nas corridas, comprovado por mim
Eu, particularmente, comprovei na prática a boa durabilidade e robustez desses motores 5 cilindros, em especial dos Turbo, que faziam parte da família Pratola Serra. Curiosamente, os nomes “Fivetech” e “Fivetech Turbo”, conhecidos pelos internautas, nunca foram oficializados pela Fiat, mas são sim apelidos que tomaram muita força.
Durante vários anos, participei de competições de Endurance com uma Marea Weekend Turbo da própria Fiat, tendo corrido em provas de quase todos os autódromos brasileiros. Durante todo o período que esse carro participou das tais corridas, que duravam de três até doze horas consecutivas, nunca houve sequer uma quebra de motor, câmbio, transmissão ou suspensão.
E, olha, as condições de corrida em uma prova dessas não são fáceis: é potência máxima no motor, trocas e reduções de marchas rápidas e duras, suspensões suportando cargas laterais muito maiores do que o habitual, tudo ao mesmo tempo, e o tempo todo.
Em uma ocasião, numa prova dos 1000 km de Brasília, não me lembro se em 2002 ou 2003, depois de pouco mais de três horas de corrida, os engates de marchas foram ficando cada vez mais duros e difíceis. Pilotando, tive a intuição de que faltava lubrificação no câmbio e, como um dos nossos patrocinadores era o Selènia, fabricante tradicional de óleo lubrificante, sabia que tínhamos, nesse ponto, um problema.
O carro terminou a prova com cerca de sete horas de corrida sem nenhuma quebra. Com engates difíceis, mas sem quebrar. No dia seguinte, falei com um técnico da Selènia, expondo o problema. Imediatamente ele concordou comigo e me informou que o óleo que estava naquele câmbio era para uso comum (de carros de rua), e não suportava competições.
Do laboratório, ele me mandaria um óleo de transmissão exclusivo para corridas, que fez diferença: na próxima 1000 Milhas Brasileiras, que durou 12 horas, o câmbio terminou a corrida engatando as marchas como manteiga, apenas empurrando com o dedo. Essa história toda serve para ilustrar como a lubrificação muda a performance de um produto, seja para melhor ou pior: o mesmo câmbio que tem engates difíceis depois de sete horas de uso pode durar o dobro disso com a lubrificação correta, e ainda continuar com engates excelentes.
Por isso, meus caros leitores, na hora da manutenção de um veículo, jamais economizem na qualidade do óleo lubrificante, seja de motor ou câmbio. Não caia naquela conversinha de que óleo é tudo igual, não fazendo a diferença se sua origem é mineral, semi-sintética ou sintética. Lubrificante tem especificação certa, e não podemos cometer erros na hora de trocá-lo.
Leve seu carro sempre em uma concessionária autorizada da marca, ou então em um mecânico/troca de óleo de confiança. Lembre-se de olhar no manual ou documentos oficiais do fabricante qual o lubrificante recomendado para seu modelo, siga as normas da API (American Petrolium Institute), que hoje já deve atender a sigla SM ou SN, e se fie nas orientações de viscosidade de quem projetou e fabrica o componente.
Ah, e óleo sintético não é vendido a granel, em tambores. Normalmente são encontrados em embalagens plásticas próprias, com diversas informações do fabricante ou especificações do lubrificante. A vida do motor do seu veículo está nas suas mãos, então lembre-se bem que um lubrificante pode fazer a durabilidade de um propulsor mudar, e muito!
Douglas Mendonça é jornalista na área automobilística há 46 anos.
Trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e foi diretor de redação da revista Motor Show até 2016. Formado em comunicação pela Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Engenharia Paulista (IEP).
Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e a Mil Quilômetros de Brasília em 2004.
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