Depois da saga que foi a compra e a preparação do meu primeiro VW Passat de corrida, em 1980, logo no início da temporada de 1981, parti para minha corrida de estreia no circuito de Interlagos. Como já contei no texto anterior, existia uma categoria criada pela FPA (Federação Paulista de Automobilismo), chamada de “Estreantes e Novatos”, para aqueles que iniciavam a carreira de piloto.
Para participar de uma prova dessas, bastava que o candidato a piloto tivesse CNH e um carro com santantônio e demais exigências do regulamento. Pilotos de renome, como Ingo Hoffmann, começaram nessa categoria. O Ingo, por exemplo, estreou com o Fuscão que ele usava nas ruas, e muitos outros nomes surgiram da mesma forma.
Bem, carro pronto, no início dos anos 80 bastava que se pagasse uma taxa para poder treinar em Interlagos e, dessa forma, comecei a fazer meus primeiros treinos com algumas dicas que pilotos mais experientes e conhecidos davam sobre a pista. Mas, claro, eu seria apenas um estreante, e tinha muita manha e malícia para aprender sobre as corridas. Fora a vontade de conhecer melhor aquele mundo, que não faltava: tudo o que me explicavam e todas as dicas que me davam eu ia tentar fazer na pista.
Mesmo assim, meu tempo ainda estava longe das melhores marcas que os grandes pilotos que corriam de Passat conseguiam na época. Mas, como disse, vontade e empolgação eu tinha de sobra. A performance do meu carro, que foi praticamente preparado no quintal da casa da avó do meu amigo Milton Cozzolino, apelidado de Ruivo, chegava a surpreender nas pistas. E pensar que, naquele quintal da Mooca, bairro tradicional paulistano, nós aliviamos biela, acertamos peso de pistões, equalizamos volumes de câmaras de combustão, regulamos as folgas milimétricas de todo o motor, fizemos freios e outros detalhes. Quem esperava um resultado tão bom?
No final da reta do antigo circuito de Interlagos, em quarta marcha, o motor chegava a saudáveis 7 mil rpm, com ronco capaz de orgulhar qualquer preparador. E olha que o regulamento não permitia troca de comando de válvulas, que deveria ser o original do carro, e outras mudanças mais refinadas. Mas tínhamos o segredo de um carburador alemão de corpo duplo, original do Passat TS, devidamente calibrado para usar álcool. Além disso, a taxa de 10,8:1, altíssima para nós da época, na verdade era baixa para os padrões atuais.
Minha estreia
Minha estreia nas competições foi numa prova ocorrida entre abril e maio de 1981, um domingo de provas de diversas categorias do automobilismo nacional. Esta minha seria uma delas. Com o Passat, eu estaria na categoria de até 1600 cm³, existindo na época outra até 1300 cm³, da qual participavam os Fiat 147, aquela entre 1301 cm³ e 1600 cm³, e uma terceira acima de 1600 cm³. Nessa, os GM Opala 250-S a álcool eram os grandes vilões dos carros menores.
Acontece que, no dia da minha estreia, como a programação daquele domingo estava muito apertada pelas diversas provas, a organização da FPA achou por bem colocar todas juntas em uma mesma corrida. Assim, na minha primeira corrida, eu estaria na pista junto dos 147 preparados, que não eram muito mais lentos que os Passat, e com os bichos-papões Opala, que não podíamos bobear, já que eram muito mais rápidos. Uma tensão a mais na minha estreia.
A ordem de largada, em cada uma das categorias, foi feita por sorteio. E eu fui sorteado com a nona posição de largada na categoria até 1600 cm³. Por uma questão de segurança para todos os competidores, o grid seria então feito primeiro pelos Opala, que largavam na frente, seguidos dos Passat (onde eu estava na nona posição), e, por último, viriam os 147, na categoria de até 1300 cm³. Um grid considerável, com mais de quarenta carros, todos largando ao mesmo tempo em uma única prova, mas com resultados diferentes por categoria.
O pessoal que corria de Opala não gostava de dividir a pista com carros menores. No momento da minha inscrição, para complicar ainda mais minha tensão, um piloto conhecido da zona leste de São Paulo, apelidado de Coruja, também estava lá se inscrevendo. Quando ele viu que as três categorias largariam juntas, fez um comentário para os amigos que estavam próximos: “os Passatinhos vão largar com a gente? Se algum bobear na minha frente, vou passar por cima…”. Claro quer era para ficar preocupado!
Hora da corrida
Chegou o grande dia e a hora marcada, lá estava eu, com minha “farda” de piloto, sapatilha de kart e luvas de motociclista, que foi o que meu dinheiro conseguiu comprar. Comigo, meus fiéis escudeiros, amigos que participaram dessa doida aventura: Milton (o Ruivo), Alvino (apelidado de Coronel), Antônio Carlos (o Gordo), Carlos Eduardo (o saudoso Kabral), todos juntos nos apoiando. Volta de apresentação, posicionamos o carro no seu devido lugar, a nona posição da categoria.
Meu amigo Gordo, o Antônio Carlos, ainda foi até a minha janela dar alguns palpites do tipo: “acelera forte e parte pra cima dos caras!”. Os carros todos posicionados, a minha visão de piloto é que existia um mar de carros à frente, e havia mesmo ao menos dez Opala e outros oito Passat lá pra frente. Isso sem falar no outro mundaréu de gente pra trás, outros Passat e os Fiat. Giro no alto e a bandeira quadriculada é balançada. Lá estava eu, descendo a reta, que, de tão cheia, parecia a Avenida 23 de Maio na hora do rush, com uma barulheira infernal.
Final da reta grande de Interlagos, chega a famosa curva três, que sucumbiu ao novo traçado. Era uma curva de final de reta e média velocidade, feita em quarta marcha. Descendo a reta, na primeira volta depois da largada, como havia muitos carros, quando os primeiros da fila começaram a frear na curva três, foi uma sequência de luzes vermelhas acendendo, em que eu, na minha inexperiência e inocência, pensei: “aqui não é lugar de frear”. Puxei o carro para a esquerda e continuei de pé na tábua, passando todos os que freavam.
Sem querer querendo, me contaram meus amigos depois, que passei uma leva de, pelo menos, dez carros ali. Entrei na curva três por dentro e saí bonito, entre os primeiros da minha categoria. Logo nessa primeira volta, se formou um grupo de três Passat e um 147 que era o líder da categoria até 1300 cm³. Os quatro andando juntos. Um dos Passat era preparado pelo piloto Camilo Cristófaro, outro feito pelo Vinicius Losacco (também piloto e preparador de respeito), meu carro e o 147, que, apesar de não ser da mesma categoria, incomodava muito.
Completamos a primeira volta em uma espécie de trenzinho, e na subida da reta dos boxes, o Passat preparado pelo Camilo veio me passar na subida, com uma facilidade que deixava claro que aquele carro não era 1.6. E pelo torque maior, devia ter o motor 1.8 que, apesar de não existir oficialmente na época, era feito utilizando o virabrequim do motor diesel VW com os colos de biela retificados para a medida standart dos motores a gasolina. Confesso que, quando vi o Passat do Cristófaro vindo pra cima de mim com aquela diferença de performance, comecei a fechar o caminho dele, para dificultar a ultrapassagem.
Mas ele veio com tamanha força que me vi obrigado a sair da frente para não tomar uma batida atrás. Ele me passou fácil no trecho de reta e subida do circuito. Dessa forma, fizemos aquela reta dos boxes os quatro carros: três Passat e o 147, todos juntos e cada um num ponto da pista, não mais enfileirados. Parecia racha de rua. E eu não me intimidei, apesar da estreia: chegamos assim até a temerosa antiga curva 1, a esquerda, de altíssima velocidade, que alguns poucos corajosos conseguiam fazer sem desacelerar.
Era minha primeira corrida, e minha primeira curva de alta. Não ia ser eu o último a desacelerar, pelo contrário, fui o primeiro. Quando desacelerei, todos fizeram o mesmo, formando uma fila, da qual eu era o quarto: o Passat do Camilo na frente, o Passat do Losacco em segundo, o 147 em terceiro e eu em quarto. Curva feita em trenzinho bem colado um ao outro, quando percebi que o Passat líder, do Camilo, começou a desgarrar de traseira. No mesmo instante, a fila se desfez, já que o carro do Camilo ficou de lado em uma curva de altíssima velocidade (curva 2), e ele saiu pra dentro da curva.
Todos os três que vinham atrás tentaram frear, inclusive eu, mas naquela velocidade o freio não fazia a mínima diferença. Então resolvi acelerar fundo, e seja o que Deus quiser. O carro do Camilo bateu tão forte no muro de dentro da curva 2 que pude ver até suas rodas traseiras saindo do chão com o impacto. Mas a corrida continuou: descemos a reta os três, e o 147, numa manobra certeira, passou o Passat do Losacco no final da reta. Eu vi tudo de camarote, vindo logo atrás.
Continuei me aproximando do outro Passat, percebendo que ele seria uma presa fácil para o meu velho e bom carro preparado por nós mesmos no quintal da avó do Ruivo. E, olha, aquela suspensão que o saudoso Testa fez para o meu carro era digna dos melhores Passat do Campeonato Brasileiro: o carro fazia curvas como gente grande, e eu chegava perto do carro do Losacco com tanta facilidade que nem acreditava, ainda mais sendo minha estreia.
Quem estava naquele outro Passat era João Naracci Neto, piloto experiente do Campeonato Paulista de Turismo 1600, que depois veio a se tornar um grande amigo. Por namorar a filha do Sílvio Santos, Cintia Abravanel, ele tinha patrocínios como Baú Financeira e Baú da Felicidade. Eu, enquanto isso, tinha apenas uma ajuda de custos da Isofit, uma pequena fábrica de fitas isolantes, que o dono ajudou a pagar minha inscrição e combustível.
Pois bem. Fiz a segunda volta atrás do João e depois da reta oposta, na entrada da antiga curva do Sol, de altíssima velocidade, que, nos Passat com velocímetro, chegavam a registrar 190 km/h. Eu estava lá, colado na traseira do carro guiado por João, e percebia seus movimentos de vai e vem no volante, para controlar o carro. Eu, enquanto isso, num único movimento conseguia dominar meu carro: o meu Passat era muito mais veloz em curva de alta.
Passei o João por fora, lentamente. Acredito que, na hora, ele nem acreditou que alguém estaria passando seu carro por fora numa curva de alta, mas foi o que fiz. Ao final da curva, já estava a frente do outro Passat, mas ainda atrás daquele trabalhoso 147. Num trecho de descida, antes da curva do sargento, curva de subida em terceira marcha, vinha colado no Fiat, e logo o ultrapassei também na saída da tal curva. Sem chance para o bravo piloto daquele 147.
Depois disso, só alegria e pista livre. Acho que nunca me diverti tanto. Estava fazendo aquilo que gostava com o maior prazer do mundo, e eu e o carro parecíamos velhos conhecidos, tamanho o entendimento entre homem e máquina. Não me lembro mais, mas acho que foram dez voltas no total, e, como houveram muitas quebras e desistências, terminei sem sequer saber minha posição. Mas só por receber a bandeirada quadriculada, comemorei muito abrindo a janela, colocando a mão pra fora e acenando. Fui aplaudido também, só não sabia o motivo.
Quando parei, descobri: tinha terminado a corrida em segundo lugar, coisa que não acreditava. O resultado foi tão bom que até a Revista Quatro Rodas da época fez uma matéria comigo, na edição de junho de 1981, que noticiava na capa o lançamento do Ford Del Rëy. Ah, e aquele Opala que disse que ia atropelar os Passat, guiado pelo Coruja? Na primeira volta, na curva da subida do lago, ele estampou um guard rail, e passaram o resto da corrida conversando: o Opala dele com o guard rail, um de frente para o outro. Quando passei pelo acidente na primeira volta, logo pensei: “nessa corrida ele não vai atropelar Passatinho nenhum…”.