Meu pau-velho, minha vida

Há um bom tempo venho conversando com amigos e conhecidos que gostam de restaurar carros por conta própria. Cada um tem uma meta para seu possante. Há quem queira um carro de exposição e que não aceita peças paralelas. Tem quem já desmanchou todo o carro, lixou para aplicar primer e comprou a tinta direto da fábrica para devolver o estado de novo ao seu velhinho. Outro, apenas curte andar no seu “pau-velho”, mesmo cheio de podres, massa e amaçados, mas que precisa mexer, que vai mandar pintar ou tem um projeto.
Para evitar constrangimentos, vamos chama-los de veteranos. Pois todo mundo entende que carro antigo são aquelas viaturas raríssimas e impecáveis. Já a expressão “carro velho” sempre soa de forma pejorativa, como se fosse uma sucata sobre rodas.

Brinquedo de desmontar

Isto posto, fato é que um dos grandes baratos de ter um veterano na garagem é fuçar no carro. É desmontar uma porta aqui, regular um carburador ali, trocar uma lanterna que já estava fosca por outra novinha, pintar as rodas, trocar as mangueiras do sistema de arrefecimento e por aí vai.
Um dos amigos, o Rapha, chegou a desmontar o motor de seu Chevrolet Omega CD 4.0, ano 1997, só para ver se havia folgas. “Para minha surpresa não havia folga nenhuma. E olha que é um carro que beira os 200 mil quilômetros”, comentou todo orgulhoso. Ele só não falou quantas porcas e parafusos sobraram depois de remontar o seis canecos.

O Fusca

Outro, o Xigu, adquiriu um Fusquinha ano 83. Segundo ele era um sonho antigo, que seria um carro para situações de extrema necessidade, mas tornou seu carro para uso diário. “Não sinto graça em dirigir o outro carro, que ficou para minha mulher. Gosto de rodar é no Fusca”, afirma.
Mas todo soldado na linha de frente está exposto aos mais diversos perigos. E recentemente o Fusquinha foi ferido numa expedição rumo ao trabalho. “Um caminhão esbarrou no capô (traseiro), mas foi só um marquinha. Mas tá tudo certo, pois quando for pintá-lo eu mando tirar o amassado”, garante.
O plano é desmontar o Fusca para fazer um trabalho digno de seriado de restauração norte-americano. Depois de ouvir os detalhes do projeto questionei: e quando ele estiver impecável? Você continuará indo trabalhar com ele diariamente?
A resposta foram algumas engasgadas cacofonias que indicam um dilema. “Pois é, conheci um cara que tem um Fusquinha lindo para ser o carro do dia a dia. Já bateram nele e foi para oficina. Eu quero é isso”, afirma categórico.
Bom, se o Xigu conversar com o Vidal, outro amigo dono de um Fusca 78, placa preta, que este ano rodou longos 43 quilômetros, ele muda de ideia. “Pô, não dá para arriscar né. Ele é um xodó. Gosto dele aqui paradinho. Só saio com ele quando meu filho me pede”, conta.

Opalas

Outro amigo, o Frango, tem uma paixão visceral por Opalas. Que eu contei foram pelo menos quatro, além de uma C10. O lance do Frango é arrumar o carro. Depois que fica pronto, ele inventa outra meta. “O meu primeiro Opala era um 69, que tinha ficado mais de 15 anos parado debaixo de um árvore. Depois de polir apareceu uns queimados nos vincos e achei legal. Queria ele com visual ‘ratão’ (desgastado). Troquei o cabeçote e os carburadores e ele virou diabo. Mas aí pesou no bolso”, conta.
Hoje ele tem um Opala cupê, 1976, impecável. Apesar de ele jurar que o carro é um presente para sua filha de três anos, Frango está inquieto. “Eu gosto mesmo é de fazer catira, trocar peça e arrumar o carro. Depois que fica pronto bate a vontade de passar para frente e começar outro. Mas esse é último, mas outro dia o frentista quebrou a tampa do tanque. Era original, novinha. Quando isso acontece o coração dói”, conta o opaleiro que mantém um Gol 2015 para as tarefas mundanas.

O doido

Sabe o Rapha, aquele do Omega. Ele já tinha desmontado seu Chevette DL, ano 1991, e o colocou em estado de novo, tendo garimpado peças em diversos cantos do país. “Gastei uma baba para pintar ele novamente com a mesma tinta de quando foi fabricado. Agora não dá mais sair com ele todo dia. Vai que bate ou alguém leva embora?”, comenta.
Com o Omega restaurado e com o Chevette digno de ir para o museu da GM, o amigo precisou comprar outro Omega para ir trabalhar.
No final de cada conversa, todos me fizeram a mesma pergunta: E aí, você não anima comprar um pau velho para consertar? E respondia encerrando a prosa, com a lembrança de dois Fuscas e um Chevette no currículo: lá em casa só tem uma vaga!
Mas se tivessem duas…

 


 

Marcelo Iglesias Ramos é Jornalista e Designer Gráfico.

Está na área desde 2003, atualmente é o editor do caderno HD Auto, do jornal Hoje em Dia, de Belo Horizonte. Figura presente em todos os lançamentos, salões do automóvel e eventos da indústria automobilística. Para relaxar, tem como hobby escrever para seu blog de games, o “GameCoin” (www.gamecoin.com.br).

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