Eram cerca de oito horas da noite de um sábado, dia 24 de abril de 2004, e a Marea Weekend Turbo recebia a bandeirada como a primeira colocada na lendária prova 1000 Kilômetros de Brasília. Essa primeira vitória era fruto de um trabalho iniciado dois anos antes, nas dependências da fábrica da Fiat em Betim (MG). O engenheiro Carlos Henrique Ferreira, carinhosamente conhecido como Caíque, acreditava no potencial competitivo da station superalimentada nas provas de endurance, aquelas longas e de resistência, que já estavam em andamento no Brasil.
Como eu e meu sobrinho Ricardo Dilser já estávamos envolvidos em competições e corridas país afora, Caíque nos mostrou o projeto da Marea Weekend Turbo para competições de longa duração, e nós, claro, topamos a ideia de imediato. Na época, Ferreira era da equipe de comunicação da Fiat (hoje é diretor de comunicação da Renault na América Latina), e por isso conseguiu o carro rapidamente: aquela unidade da station era integrante da frota de imprensa, e foi a escolhida para a preparação.
O carro foi trabalhado na Oficina Assistencial da Fiat, lá na fábrica mineira, onde eram feitas as manutenções de toda a frota da planta. Na época, o responsável pela oficina, Rodolfo Hauck, se encarregou da empreitada, que basicamente consistia na retirada de todos os equipamentos de luxo e conforto da perua para reduzir peso.
No novo interior, apenas um leve banco concha, alavanca de mudanças maior e mais próxima do motorista, um volante esportivo, cinto de segurança de quatro pontos com fecho central e toda a estrutura de santantônios tubulares internos, que melhoravam a rigidez torcional do monobloco e aumentam a segurança de quem vai pilotando. Curiosamente o carro tinha painel completo, com instrumentos originais e tudo mais: a retirada dele seria uma evolução futura, que nunca aconteceu.
Na mecânica, suspensão com amortecedores e molas mais firmes (reguláveis), freios com grandes discos e pinças da Alfa Romeo 166, sem contar o motor com intercooler maior (emprestado das vans turbodiesel da Iveco) e sistema de injeção recalibrado no dinamômetro, para a utilização de avigás (gasolina de aviação). Com isso, a potência do carro saltou dos 182 cv originais para 240 cv a 6.000 rpm, enquanto o torque cresceu de 27,0 mkgf para 33,0 mkgf a 3.500 rpm, números perfeitamente suportáveis pelo seu câmbio original, de cinco marchas.
Seguimos também com a mesma lubrificação sintética recomendada pela Fiat no motor, mas o óleo da transmissão foi alterado pela Selénia, um dos patrocinadores, que cuidava dos fluídos do carro. O motivo era sua maior temperatura de operação, ainda mais nas corridas de endurance, que duravam várias horas. A carroceria era a mesma, porém com uma nova frente inteiriça e em fibra de vidro (bem leve), que podia ser retirada, expondo toda a mecânica dianteira e facilitando as manutenções e reparos. As rodas originais, aro 15 com pneus comuns, deram lugar a um jogo esportivo 18” calçado com pneus slick.
Os 1000 Kilômetros de Brasília fazem parte da agenda de comemorações de aniversário da cidade, que ocorre no dia 21 de abril. Em 2003, nós já havíamos participado dessa tradicional prova do automobilismo brasileiro (sem contar o honroso quarto lugar nas Mil Milhas de 2002), e a Marea Weekend Turbo terminou em terceiro (categoria de até 2.0 litros turbo ou acima de 2.0 aspirado). Até então, resultados promissores para uma station que praticamente iniciava sua caminhada nas competições.
Largamos no sábado, dia 24, as 13h00, e eu fui o escolhido para as primeiras voltas, normalmente propensas a acidentes, já que os carros estão juntos. Como eu era tido como o piloto mais cuidadoso do trio, completado pelo grande amigo de décadas Alvino Pereira Jr. e pelo Dilser, comecei a prova, sabendo que o páreo seria duro: tínhamos na mesma categoria as BMW M3, temíveis pela potência de seus 3.0 seis-em-linha (mais de 300 cv), sem contar os Chevrolet Omega 4100, também seis-em-linha, com algo ao redor dos 250 cv. Na Marea Weekend, por durabilidade e consumo, tínhamos pelo menos 100 cv a menos que os Omega, o que significa voltas de 3,0s a 5,0s mais demoradas.
Ainda assim, nossa estratégia era boa: parávamos menos nos boxes, já que trocávamos de pilotos a cada duas horas e abastecíamos numa parada breve e rápida, enquanto os pneus slick duravam a corrida toda. Os sedans da Chevrolet precisavam encostar nos boxes a cada 1 hora para troca de pneus e reabastecimento com 100 litros de álcool. Demoravam muito. E, numa prova de longa duração como essa, as tais paradas extras demandavam um enorme tempo a mais no final da prova, o que era excelente para nós. As BMW não aguentariam muito tempo o ritmo frenético da corrida, e foi exatamente isso que aconteceu: os Omegão perderam muito tempo nos boxes, e as M3 quebraram.
Enquanto isso, a Marea Weekend prosseguia, ganhando espaço de forma mais lenta e progressiva, parando apenas para a troca de pilotos e reabastecimento. Com seis horas de corrida, já éramos líderes, e o Alvino fez o último turno, recebendo a bandeirada da vitória a noite. A perua da Fiat fez exatamente o que estava programado, e os pilotos fizeram suas lições de casa, nos garantindo a vitória. Pronto, estava batido aí um recorde: nunca, nenhuma perua havia ganhado uma corrida oficial no Brasil além da Marea Weekend, e esse pioneirismo ela carrega até hoje.
Mas a coisa não foi tão fácil assim como parece. Primeiro que, nos treinos classificatórios, ao invés da avigás, com a qual o motor havia sido acertado, estávamos utilizando gasolina podium da Petrobrás, que tinha o inconveniente de utilizar 24% de álcool anidro em sua composição. Com isso, a mistura ar/combustível ficava magra, e a sonda lambda indicava sempre valores acima de 1, o que poderia superaquecer a cabeça dos pistões.
Por isso, precisávamos aumentar a vazão dos bicos injetores, e quem nos ajudou foi Rafael Gueiros, um grande amigo lá de Brasília: ele nos colocou em contato com a Motortechnik, oficina de preparação que tinha como responsável técnico Flávio Barboza. Ele aumentou a vazão dos injetores originais em uma medição precisa, o que permitiu ao marcador da sonda lambda indicar 0,92/0,94, ainda pobre, mas bem melhor que a outra. Não havia mais risco de quebra do motor por conta disso, pelo menos.
O carro também não terminou a prova brilhando e novinho como começou. Durante a corrida, o Alvino havia recebido a informação dos boxes de que estávamos em primeiro lugar, e em segundo vinha um Omega. Já perto de receber a bandeirada de chegada, Alvino viu um Omega que estava se aproximando da Marea Weekend. Como ele não sabia qual carro estava em segundo lugar, pensou ser aquele o rival que ameaçava nossa vitória. A partir daí, partiu para a luta feroz com esse Omega, e os dois trocaram bastante tinta, raspando lateral, impedindo ultrapassagens e por aí vai.
No final, descobrimos: aquele Omega e seu pobre piloto não tinham nada a ver com a história, e estavam há pelo menos vinte voltas atrás da Marea! O segundo colocado era outro Omega, e o piloto do carro que foi atingido não deve ter entendido o motivo de tanta briga. Nesses momentos decisivos, de qualquer forma, a station se mostrava forte e resistente, até nas brigas de lata com lata. Onde está o carro hoje? Em fase de restauração, para voltar exatamente as formas de quando correu em 2004, depois de passar um bom tempo guardada na fábrica da Fiat em Minas Gerais.
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