Com tamanho e imponência a Indian Chief Roadmaster é feita para engolir milhas e milhas
Cheguei na concessionária Indian de São Paulo meio preocupado. Era a primeira vez que sairia em via pública com uma moto da marca e ainda por cima uma enorme Roadmaster de 408 kg (peso a seco). Para minha “mosquitulatura” já fiquei apreensivo, porque se ela inclinasse meio grau eu já não aguentaria mais o peso. Minha experiência nessa modalidade de “motos-que-pagam-IPTU”, era a Harley Davidson Electra Glide Ultra Limited com seus 397 quilos de peso a seco. Que tirei de letra porque, uma vez em movimento, moto não sofre tanta influência de mais ou menos massa.
Foi num dia especialmente frio de outono, mas esperei sair aquele sol que parece lâmpada de geladeira: ilumina, mas não esquenta. O assessor de imprensa, velho amigo meu, deu as informações gerais e saí com a motona pelas avenidas de São Paulo. Logo de cara achei meio esquisito o guidão, porque lembra um pouco o sistema de direção da Honda GL 1800 Gold Wing. É preciso um pouco de força nos braços para manobrar em baixa velocidade, mas depois que começa a ganhar velocidade tudo fica mais fácil.
Sintonizei o som (poderoso) na Rádio Kiss FM e segui a proa rumo ao sul, em direção ao píer, quer dizer, garagem de casa.
No meio do caminho comecei a sentir um calor lá nas profundezas do meu ser. Vinha lá de baixo, atingia as partes mais sombreadas do corpo e comecei a me perguntar se essa moto tinha aquecimento no banco, assim como tem nas manoplas. Procurei pela moto toda onde estava o botão pra desligar e só consegui aumentar ainda mais o calor das manoplas.
Já ouviu a expressão “fogo no rabo”? Pois eu sei exatamente como é, mas aos 57 anos não se trata de furor sexual, mas um banco no mais belo couro cru queimando, fervendo. Se fosse um filme chamaria “Estou com couro cru pegando fogo”!
Quando cheguei na garagem, quase com o “furico” cauterizado, saí procurando o botão pra desligar e achei! Aliás, dois, o do piloto e o da garupa. E que não combinam nem um pouco com o fino acabamento desta luxuosa moto. Parece que foi uma gambiarra feita em casa. Mas passado esse calor, o teste foi uma delícia.
Cleptomaníaco
Depois que descobri motos com sistema de som, minha vida mudou… Para pior! Porque fiquei viciado nesse negócio de pilotar moto ouvindo música, mas como não gosto de nada dentro da minha orelha, além de cera, não consigo usar fone de ouvido. Por isso assim que decidi viajar com a grande Indian, preparei uma playlist e fomos “a la ruta!”
No trecho de estradão largo, céu azul, aquela liberdade toda, coloquei o velho blues do Eric Clapton e nada de “Born to be Wild” pelamordeDeus! O que combina mesmo é “Can’t find my way home”, em qualquer versão.
A primeira preocupação em uma moto com dois cilindros de quase 900 cc cada um, é com a vibração. Posso confirmar o que já escrevi antes: vibra bem menos que as grandonas Harley-Davidson, principalmente quando está parada. Rodando com a Indian a gente consegue até ver qual a marca e tipo do carro que está refletido no espelho retrovisor!
Já na cidade percebe-se um enorme calor. Com sistema de arrefecimento a ar+óleo, esse motor gera muito calor e o transmite para o piloto, especialmente para as canelas. Como esta versão tem uma “saia” que protege as pernas, essa sensação é aumentada, mas, felizmente, existe uma janela que pode ser aberta ou fechada conforme a temperatura para arrefecer as pernas.
Se você acha que motos desse porte são difíceis de pilotar, esquece, porque é só impressão. Obviamente que o peso conta muito, sobretudo quando está em baixa velocidade, mas depois que embala é uma delícia. O para-brisa pode ser regulado para cima e para baixo por meio de um botão no punho esquerdo.
Aliás, o que tem de botão pra apertar é brincadeira! Muda estação de rádio, regula o volume, altera funções do painel e um monte de outras coisas. O legal é usar o “Cruise Control”, equivocadamente chamado de “piloto automático” e deixar o asfalto passar sob os pés.
Deita na marra
Outra dúvida que paira na cabeça de quem nunca pilotou um “trem” desses, é o comportamento em curvas. Logo de cara é bom saber que se trata de um veículo com distância entre-eixos de 1.688 mm. Se acha que vai fazer curva como uma naked ou big-trail pode esquecer. É preciso usar muito a técnica do contra esterço para fazer os mais de 500 kg (com duas pessoas, bagagem, etc.) sairem da inércia e deitarem na curva. Mas até que não é um pesadelo. Parte pelo bom ajuste da suspensão e parte pelos pneus. E de pensar que tem doido varrido e encerado que usa pneu de carro em moto custom… É de internar e dar choque elétrico.
Na velocidade de cruzeiro, a 120 km/h, em sexta marcha, ela desliza suave como um grande navio de cruzeiro em mar calmo. Gosto de levantar todo o para-brisa, aumentar o volume (que também aumenta sozinho conforme a velocidade), ajustar o controle de velocidade e literalmente viajar. Até chegar o primeiro pedágio! Nem pense em usar a baia específica para a moto, porque o risco de bater uma mala lateral e cair é grande. Se estiver com motos desse porte, use a baia de carro mesmo.
No nosso destino tivemos de passar por duas serras. Na primeira, mais larga, de duas pistas e mão única foi uma delícia, porque com curvas de raio longo ela deita de boa. Pude sentir a suspensão traseira trabalhar e sacolejar como era esperado. A frente é um pouco estranha e exige algum tempo para se acostumar. Lembra mais a Gold Wing do que a Electra Glide.
Já na segunda serra, dessa vez estreita, de pista simples e mão dupla, foi um pouco mais trabalhoso, não pode deixar essa massa toda querer abrir demais a curva porque ninguém segura! Como as curvas são de raio mais fechado e exigiam mais inclinação, foi aquele festival de faísca saindo das pedaleiras arrastando no asfalto.
Chegamos à Estação Luís Carlos, simpática vila perto de Mogi das Cruzes, que mais parece um cenário de filme. As casinhas foram reformadas e a principal atração é o passeio de trem com uma locomotiva antiga e vagões de madeira!
Por uma dessas coincidências que a vida nos reserva, encontrei meu tio Milton, um dos pioneiros da motocicleta na família. Aos 86 anos ele ainda está bem lúcido, mas caminha com dificuldade. Assim que falei que estava com uma Indian ele levantou da cadeira de rodas e foi a pé ver a moto de perto. Claro que eu e minha prima não perdemos a chance de zoar com ele: “milagre ele andou”! E fico feliz de ter proporcionado este pequeno momento de felicidade a um tio tão querido, que não abandona o colete do moto clube nem para andar numa cadeira de rodas.
Outra grande diferença em relação às HD está nos freios. Essa Indian conta com dois discos dianteiros e um traseiro, com sistema ABS. Até aí nenhuma novidade. O que causou boa impressão, é que o freio tem acionamento mais suave e o traseiro tem atuação muito decisiva em baixa velocidade e nas curvas. As pedaleiras são do tipo plataforma, mas tem uma grande semelhança com as das Harley Davidson: o câmbio é duro, barulhento e tem o curso longo. Também nenhuma novidade, porque esse tipo de moto tem câmbio bruto mesmo, com aquele já conhecido “CLONC” a cada troca de marcha. Difícil é achar o neutro…
Não consigo imaginar alguém comprando uma Indian Roadmaster para usar na cidade. Só se for masoquista de carteirinha ou se a distância casa-trabalho for muito pequena. Mas se a ideia é viajar, long way, pode cair matando porque é mesmo uma rainha da estrada. Na verdade, até demorei mais porque queria ficar mais tempo em cima dela, ouvindo rock e olhando a paisagem.
Como sempre, não dou a mínima para questões mundanas como consumo de gasolina, desempenho, essas bobagens que não fazem a menor diferença nessa categoria de moto. É como um barco que alguém compra apenas para curtir e vem um pentelho invejoso cortar o barato perguntando: “ah, mas isso deve consumir uma nota preta de combustível!”. Vai, mala, compra um SUP e vai ser pobre na vida!
Para encerrar este textão, o já mundialmente conhecido, esperado e exigido “IPM – Índice de Pegação de Mina” (nesse caso é só mina mesmo). Se o seu target for mulheres over 35, as chances de agradar são muito boas, porque já cansei de dizer que quem gosta de ficar de bunda pra cima é novata, mulher gosta mesmo é de conforto. E não tem melhor juíza de garupa do que a minha, que chegou mesmo a retocar a maquiagem enquanto estava na garupa (sim, com capacete aberto). Eu daria nota 9,0 graças o conforto, sistema de som, mas principalmente pelo espaço para bagagem.
São três malas enormes, das quais você poderá usar metade de uma e deixar as outras 2,5 para a mulher. Nada mais justo. Além disso, têm dois porta-luvas, um deles com entrada USB para carregar celular e levar mais alguma coisinha que não coube nas malas… Dela!
Ficha técnica:
Contato: info@abtrans.com.br
Fotos: Tite Simões e divulgação