Fazer xixi no carro para dar muita sorte. Funciona?

Com esse texto curioso, inicio minha coluna aqui no Carros com Camanzi, lisonjeado pelo convite do meu grande amigo de longa data, Emílio (quando iniciei meu trabalho na revista Quatro Rodas em 1983, o “Italiano”, como ele era carinhosamente chamado, era meu chefe na redação). Depois disso, ele passou a ser Diretor de Comunicação na Fiat, em Betim (MG), e eu continuei, por mais 10 anos, a minha jornada na revista automotiva da Editora Abril. Nessa época toda, uma coisa que fizemos juntos foi pilotar carros de corrida, uma paixão comum a dois grandes amigos. Dividimos o volante de máquinas bem divertidas em algumas provas de longa duração.

Nesse contexto das competições automobilísticas, passei por poucas e boas, inclusive por uma história bastante inusitada em uma das grandes provas do automobilismo nacional: os 1000 KM de Brasília. Em sua 21ª edição, no ano de 2004, eu compartilhava com os pilotos Ricardo Mendonça Dilser (que não por coincidência, é meu sobrinho e hoje ocupa o cargo de gerente de comunicação na FCA Fiat/Jeep) e Alvino Pereira Júnior, a direção de um Marea Weekend Turbo que pertencia à Fiat. Com esse carro, uma criação brilhante de Carlos Henrique Ferreira (mais conhecido como Caíque, outro grande amigo, hoje Diretor de Comunicação na Renault), nós disputamos o Campeonato Brasileiro de Endurance pelos principais autódromos brasileiros.

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Quase que totalmente original, a perua familiar gerava 240 cv de potência máxima em seu motor turbo e tinha como ponto forte a resistência mecânica: o carro não quebrava nem com os castigos que recebia por horas e horas nas corridas de longa duração. Naquele ano de 2004, fomos participar dos 1000 KM de Brasília, etapa que fazia parte do Campeonato Brasileiro de Endurance. Volta rápida realmente não era o forte daquela station e ,para piorar a situação, estávamos enquadrados na mesma categoria dos GM Omega 4.1, que alguns anos antes figuravam como os carros da Stock Car, muito mais rápidos do que a resistente Marea.

Mas, claro, tudo na vida tem seus prós e contras: mesmo muito rápidos, nossos adversários da Chevrolet consumiam muito mais pneus e combustível, pois a cada hora de corrida, os Omega tinham que parar nos boxes para trocar um jogo de pneus e encher o tanque com 100 litros de etanol. Em uma corrida curta de três horas, não tínhamos a menor chance de chegar entre os quatro primeiros. Em contrapartida, em uma corrida de 1000 quilômetros, que tinha uma duração sempre maior do que 7 horas, com as paradas constantes dos sedans da GM e a Marea Weekend parando a cada 2 horas para troca de pilotos e abastecimento (não precisávamos trocar os pneus durante toda a competição), a perua da Fiat ia galgando posições e, lá no final da corrida, já estávamos na liderança. Essa era a estratégia: rodar o máximo possível enquanto o piloto aguentasse e parar apenas quando o combustível estivesse quase acabando.

Nessa corrida, como era mais cuidadoso, fui o escolhido para a largada. Fiz minha volta de apresentação e fui no meu lugar do grid, bem lá atrás do pelotão, pois, como já disse, rapidez não era a especialidade do nosso carro. Parei na posição indicada pelos comissários e, pelo meu lugar de largada, podia ver um mar de carros na minha frente, de todas as cores e tipos. Ao contrário de muitos outros colegas pilotos, não tinha o hábito de descer do carro nos minutos que antecediam a largada e, quando muito, tirava só o capacete e a balaclava para dar uma refrescada, mas nunca saía do carro.

Enquanto esperava, notei, no meu posto de piloto, muitas pessoas olhando para o nosso Marea Weekend e dando risada. Sem entender muito o que estava acontecendo e do que estavam rindo, comecei a procurar nos retrovisores o que atraía o olhar das pessoas. E não foi difícil encontrar: um dos nossos pilotos, o Ricardo Mendonça Dilser, estava fazendo xixi no meu para-choque e roda traseira. Sem acreditar na cena que via, abri a porta e desci logo xingando: porque é que alguém estaria urinando no próprio carro, que inclusive assumiria a direção mais tarde?!

Quando o Ricardo percebeu o quanto eu estava bravo com sua atitude literalmente infantil, foi logo dizendo: “é pra dar sorte! estou fazendo xixi no carro para dar sorte pra gente na corrida”. Como alguém poderia achar que uma porqueira daquelas poderia trazer algum tipo de sorte? Após isso, minutos depois, foi dada a largada e começamos nossa jornada de, no mínimo, 7 horas de prova. Pois bem, acreditem, tudo aquilo que traçamos como estratégia da nossa corrida aconteceu! Na prática, esse sucesso resultou em uma estrondosa vitória da nossa Fiat Marea Weekend Turbo, que bateu os rápidos Omega de Stock Car. Um sonho que, até então, parecia ser impossível, mas realizamos. A dúvida que não quer calar: será que a “simpatia” um tanto porca do Ricardo foi o que garantiu nossa vitória? Se foi o xixi ou não, não sei, o fato é que vencemos uma das mais tradicionais provas do Automobilismo brasileiro, e a Marea Weekend se consagrou como a primeira station a vencer uma corrida em circuitos de velocidade no Brasil. Méritos para toda a equipe e para a resistência mecânica da perua (e porque não para o xixi sortudo do Ricardo também?).

 

 


 

 

Douglas Mendonça é jornalista na área automobilística há 46 anos.

Trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e foi diretor de redação da revista Motor Show até 2016. Formado em comunicação pela Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Engenharia Paulista (IEP).

Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e a Mil Quilômetros de Brasília em 2004.

 

 

 


 

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