Estrutura: o carro que você veste todo dia

Por Marcelo Iglesias

O amigo que acompanha o noticiário automotivo deve ter notado que sempre se fala em temas como rigidez torcional, célula de sobrevivência, aço de ultra-alta resistência, deformação programada, “crash box”, todos voltados para a questão estrutural dos automóveis e com nenhuma relação com motor, potência, torque ou desempenho.
É que a evolução da estrutura dos automóveis se tornou tão importante (ou mais) quanto o conjunto motor, suspensão e a eletrônica aplicada. A razão disso está no maior rigor de órgãos governamentais que a cada ano estão mais severos quanto à segurança passiva dos automóveis. E nesse quesito a estrutura tem grande importância para atingir as metas.

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O desenvolvimento de um carro, hoje, deve contemplar parâmetros, como redução de peso, para ganhar eficiência energética e emprego de matérias capazes de absorver e suportar a energia gerada por uma colisão, de acordo com os protocolos de segurança dos mercados onde serão comercializados. Daí o emprego de ligas mais resistentes em áreas específicas e outras mais maleáveis em outros pontos da carroceria (veja na ilustração colorida, os diferentes tipos de aço usados em uma carroceria moderna), justamente para direcionar de forma programada a deformação em caso de um impacto.Muita gente ainda não entende como funciona essa lógica da deformação programada. Não é raro ouvir reclamações como: “Os carros de hoje desmancham muito fácil!”, ou “Bom era na época do Dojão, que batia e não acontecia nada!”. Bom, o que muita gente não sabe, é que a absorção de impacto e a deformação programada são fundamentais para preservar os ocupantes do automóvel.

Na época do “Dojão” (Dodge Dart), quando o cinto de segurança era abdominal e ninguém usava, quando ocorria uma colisão, a estrutura, que não era pensada para absorver a energia do impacto, não se deformava. Assim, toda aquela força da pancada era transferida para os ocupantes, o que agravava ainda mais os ferimentos.

Dodge Dart
Toyota IQ

Uma analogia rudimentar seria colocar um ovo dentro de uma caixa, e deixa-la cair no chão. A caixa irá ter uma leve deformação nas pontas e poderá abrir a tampa, mas manterá sua estrutura intacta. Já o ovo, irá quebrar lá dentro. No entanto, se colocarmos o ovo na mesma caixa, mas revestida de papel jornal amassado e soltá-lo. O caixa irá sofrer o mesmo dano, mas é muito provável que ovo não se quebre, pois o jornal amassado irá absorver a energia.
Lembro-me como se fosse hoje, do narrador Galvão Bueno comentando o acidente fatal de Ayrton Senna, em que ele relatava uma explicação de um dos engenheiros da Fórmula 1. Segundo a explicação do narrador, uma colisão provoca três tipos de danos: o da estrutura do automóvel, o do corpo humano contra as partes do carro, e o dos órgãos internos do corpo devido à desaceleração bruta. E este último teria sido um dos fatores do dano cerebral que vitimou ou piloto.

Voltando à época do Dojão e seus contemporâneos, numa colisão de frente, o motor era direcionado contra a cabine. Hoje, o motor é montado de maneira a deslocar para baixo e ajudar na absorção do impacto. O cofre do motor é projetado para funcionar como “crash box”, ou seja, uma caixa de impacto, assim como a seção traseira do automóvel, que também é feita para se deformar e reter parte da energia da batida. A cabine conta com a chamada célula de sobrevivência, que é uma espécie de gaiola que protege o interior do automóvel para suportar colisões frontais e laterais.
Recentemente, o Chevrolet Onix foi reprovado no teste de colisão lateral do Latin NCap, órgão independente que valida a segurança dos automóveis vendidos no mercado latino, segundo os parâmetros do Euro NCap. No teste, o carro foi submetido a uma nova aferição para mensurar os danos de um choque lateral do lado direito do carro. O resultado foi insatisfatório, pois houve deformação da coluna central em direção aos ocupantes. A General Motors se prontificou a responder apenas que o carro mais vendido do país atende às exigências da legislação brasileira.


Outro dia, conversando com um executivo de uma montadora, ele confidenciou em “off” que muitos modelos deixaram de ser fabricados em 2014, quando a legislação passou a exigir freios ABS e duplo airbag de série, porque, além dos equipamentos, a norma também determinava reforços estruturais que não haviam em modelos como Fiat Mille, VW Gol (G4) e Kombi. “O ABS e o airbag tinham um apelo de marketing melhor para justificar o fim da produção, do que ratificar que o problema era a insuficiência de absorção da estrutura”, comentou o engenheiro.
Em 2014, a Volkswagen direcionou boa parte de seu discurso de lançamento do up! às virtudes de segurança do compacto. O carrinho da VW tem uma combinação de aços de diferentes resistências que compõem a estrutura para atingir os níveis de segurança exigidos pela União Europeia e, consequentemente, atender também aos padrões exigidos no Brasil.

Já a Renault, que se prepara para lançar o Kwid no início de agosto, afirma que alterou 80% do carro em relação ao modelo vendido na Índia. O modelo vendido no país asiático foi submetido ao teste de colisão do Global NCap e tirou nota zero no teste de impacto frontal, tanto na proteção de adultos quanto para crianças.
Por aqui, a Renault irá comercializar o carrinho com quatro airbags, sendo que duas das bolsas são laterais, e garante que a estrutura foi toda revista e que foram incluídos novos aços de maior resistência. É o que a gente espera e o que o Latin NCap deverá confirmar!

 

Fotos: divulgação

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