Desde os primórdios dos motores de combustão interna, o eixo que comanda a abertura e fechamento das válvulas sempre foi fundamental para a performance da máquina. Por isso, a forma de seu acionamento é igualmente importante. Vale ressaltar que o eixo comando de válvulas deve girar sempre na metade do regime de rotações do virabrequim. Assim, se o motor estiver a 2.000 rpm, isso significa que o comando de válvulas vai girar a 1.000 rpm e, da mesma forma, se o motor estiver a 5.000 rpm, o eixo comando de válvulas estará a 2.500 rpm.
Simples assim: uma relação matemática derivada do fato de que um motor cumpre seus quatro tempos (admissão, compressão, explosão e escape) em duas rotações do virabrequim. Enquanto isso, o eixo comando que controla a abertura das válvulas de admissão e escapamento giram na metade da velocidade do virabrequim.
Ao longo do tempo, muitas soluções técnicas foram encontradas pelos projetistas para sincronizar o movimento do virabrequim à do eixo comando de válvulas. Em minha curiosa vida de pesquisar motores, uma de minhas grandes paixões, vi sistemas complexos e inusitados que cumpriam esta função. Mas o que prevaleceu, por facilidades construtivas e de manutenção, foram as engrenagens, correntes (semelhante àquelas que ficam entre o pedal e a roda de uma bicicleta) e, mais modernamente, as famigeradas correias dentadas.
As tais engrenagens, normalmente compostas por uma que vai no virabrequim, uma segunda intermediária e a terceira, fixada ao eixo comando de válvulas, mostram-se mais confiáveis, robustas e duráveis. Não necessitam de praticamente nenhuma manutenção adicional. Desvantagens? Mostram um momento de inércia bem elevado, o que não condiz com a esperteza e agilidade dos pequenos e compactos motores atuais.
Como exemplo, podemos citar o motor Renault que era utilizado nos Gordini, Dauphine e Interlagos. Ele utilizava engrenagens no sistema de distribuição, e praticamente não causava problemas aos seus proprietários. Quando chegou o motor do Ford Corcel, uma versão maior e mais robusta do pequeno propulsor anterior, os técnicos adotaram a corrente, que mostrava silêncio e suavidade no funcionamento, precisão no sincronismo do virabrequim e comando.
O “porém” é que, com o passar do tempo, começava a criar folgas no esticador da corrente, que era hidráulico e exigia a troca periódica de um kit composto por duas engrenagens, uma corrente e um novo esticador. Apesar dessa necessidade de troca, elas aconteciam bem depois dos 100 mil km, e para fazê-la, era necessário remover uma pequena tampa na frente do motor. Uma operação que não era das mais fáceis e simples, mas que também não era tão complexa caso o mecânico estivesse munido das ferramentas corretas.
Vale ressaltar que em meados dos anos 60, quando surgiu o motor Ford Cosworth, um dos mais vitoriosos da Fórmula 1, o V8 de 3.0 litros possuía quatro comandos de válvulas nos dois cabeçotes, e todos eram acionados por engrenagens de dentes retos, mesmo este motor atingindo rotações na casa de 10 a 12 mil rpm. Os técnicos assim o queriam por uma questão de confiabilidade e precisão de operação, e aquele mundo de engrenagens de dente reto poderiam produzir um barulho ensurdecedor (coisa que não fazia muita diferença em um carro de Fórmula 1).
Tudo funcionava bem, quer fosse por engrenagem como os motores do GM Opala, ou com corrente, no caso dos motores Renault que equipavam o Ford Corcel. Mas no início dos anos 70, surgiu uma interessante novidade tecnológica: a tal da correia dentada. Ao invés de sincronizarmos o movimento do virabrequim com o eixo comando de válvulas usando engrenagens ou correntes, a proposta era de uma correia flexível feita com borracha e cordonéis de nylon, fazendo a sincronização dos seus movimentos.
No início, todos só viam vantagens: silêncio de funcionamento, precisão na transmissão do sincronismo entre virabrequim e comando de válvulas, facilidade de manutenção (pois era externa, e a troca não necessitava de muitas ferramentas), além do custo baixo da própria correia quando precisasse ser substituída. Nessa balada, vieram GM Chevette, VW Passat, Fiat 147, Ford Maverick 2300 e por aí vai. Todos utilizavam o então modernismo da tal correia dentada.
Modernas, as correias dentadas prometiam ser a melhor solução para sincronizar virabrequim e eixo comando de válvulas (Foto: Center Peças Fabbri)
Mas um problema que os projetistas não haviam considerado é que a grande maioria dos consumidores não estava acostumada a fazer manutenção preventiva do sistema de distribuição. Tanto as engrenagens, que praticamente não exigiam reparos, quanto a corrente, que demorava para apresentar fadiga, faziam com que os usuários nem se lembrassem da manutenção desses componentes.
Repentinamente, apareceram nos planos de manutenção a troca da correia dentada a cada 30 ou 50 mil km. Quase ninguém lembrou disso, e o fato é que utilizavam a pobre da correia até seu rompimento, lá para os 80 ou 100 mil km. O que acontecia? O cara ficava a pé, afinal o eixo comando de válvulas simplesmente parava de funcionar, assim como o motor.
Em casos mais sérios e dependendo do motor, por inércia do conjunto, o virabrequim poderia empurrar os pistões para cima, pegar uma válvula aberta e aí o estrago total estava feito, pois se perdia cabeçote, válvula, pistões, e se o azar fosse grande, poderia até um pedaço de válvula quebrar o cilindro. Perda total, ou PT, para o motor. O motorista só descobria a duras penas o preço do modernismo: Ou se fazia a manutenção preventiva correta, ou se corria o sério risco de quebrar o propulsor inteiro.
Depois de décadas, os projetistas voltaram um pequeno passo na evolução da engenharia: a maioria dos motores modernos, em especial os compactos, voltou a utilizar a boa e velha corrente de comando, que pode, com o passar do tempo, ficar ruidosa, mas nunca deixar o motor totalmente danificado, ou o motorista na mão. Assim como em outras verdades da vida, a engenharia também volta um pouco atrás. E, olha, que esse “voltar” não é muito, principalmente se considerarmos todo o ganho em confiabilidade e manutenção mais duradoura, que exige menos preocupações.
Douglas Mendonça é jornalista na área automobilística há 46 anos.
Trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e foi diretor de redação da revista Motor Show até 2016. Formado em comunicação pela Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Engenharia Paulista (IEP).
Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e a Mil Quilômetros de Brasília em 2004.
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Ver comentários (2)
Boa noite! Sou aficcionado por mecânica, inclusive de automóvel, Nunca ouvi falar de inconvenientes e nunca vi um motor sendo reparado por ruptura de corrente no comando de válvulas, tanto que ninguém se preocupava em sequer inspecionar. Aruptura da correia dentada causa um estrago e grande e os reparos são caríssimos.
Porque temos de abandonas soluções de eficiência e consagradas! Porque não voltar com o time ganhador?
Isso é porque a correia não avisa quando vai partir, e a corrente avisa. Quando a corrente apresenta desgaste, ela começa a fazer barulho. O problema é que trocar uma corrente acaba custando o mesmo que o reparo no cabeçote que partiu a correia. Por isso, prefiro uma correia fácil de trocar, ou então engrenagens.