Darwin e Kotler na terra dos SUVs

 

O anúncio do Ford Ka FreeStyle, versão aventureira que será vendida em 120 mercados (inclusive o brasileiro), chama atenção para uma geleia geral do mercado de automóveis, que começou a ganhar corpo no final dos anos 1970 e que, hoje, borbulha num caldeirão com de três letras: S, U e V.

Todo mundo sabe que SUV é a abreviação em inglês de Sport Vehicle Utility. Numa tradução literal: Veículo Utilitário Esporte, ou apenas utilitário-esportivo. A denominação surgiu na primeira metade dos anos 1960. Há quem credite que o termo foi cunhado quando a Jeep colocou no mercado o Wagoneer. O modelo agregava conforto para a família, muito espaço para bagagem e capacidade de se deslocar em terrenos acidentados. Depois vieram Cherokee, Blazer, Explorer e o resto da história a gente conhece.

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Entre o universo dos SUVs emergem dois teóricos: Charles Darwin e Philip Kotler. O primeiro foi o naturalista inglês que escreveu a Teoria da Evolução das Espécies, no século XIX. O segundo é o professor norte-americano, considerado o maior especialista em marketing da atualidade, no alto de seus quase 90 anos.

Charles Darwin
Philip Kotler

Mas qual é a relação entre os dois teóricos e os utilitários-esportivos? Bom, talvez o Sr. Kotler tenha sido, ou é, um feliz proprietário de um SUV grandalhão nos EUA. Já Darwin passeou de navio e carroça. Mas há uma relação quase filosófica entre os dois personagens e os jipões que dominaram o mundo.

 

Darwinismo

Antes de o Wagonner ser um SUV, os utilitários eram apenas… utilitários. Um dos primeiros modelos desse segmento que combinava veículo de carga e familiar foi o Jeep Station Wagon, que no Brasil ficou popular como Rural Willys. A Rural era uma derivação amigável do Jipe Willys, veículo militar desenvolvido para as forças armadas norte-americanas durante a Segunda Guerra Mundial. Na Europa, a referência era o Land Rover Série 1 (Defender), assim como o Range Rover e o Mercedes-Benz Classe G que surgiram posteriormente.

Wagonner
Rural Willys
Defender

Os SUVs eram montados sobre chassis de picapes, como a Blazer, Explorer, Suburban, Bonanza, Expedition, Pajero Full, Pathfinder e por aí vai. Ainda hoje, Trailblazer, Pajero e SW4 utilizam a base das picapes S10, L200 e Hilux. Por outro lado, no início dos anos 1990 começaram a se popularizar os utilitários-esportivos fabricados em estrutura monobloco, como o Toyota RAV4, Honda CR-V e, posteriormente, modelos como Mercedes-Benz ML, BMW X5, que ofereciam melhor estabilidade devido ao centro de gravidade mais baixo, mas sem perder suas capacidades para fora de estrada.

O passo seguinte foi o surgimento dos crossovers, que era um misto de perua com SUV. Modelos como Audi A6 Allroad, Volvo XC70 e Subaru Outback surfaram nessa tendência, ao elevar a suspensão e incluir tração nas quatro rodas. Junto delas surgiram modelos que tinham apelo urbano e não fora de estrada, BMW X1, Mercedes GLA, Jaguar E-Pace e Land Rover Evoque, assim como Hyundai HR-V, Toyota C-HR, Nissan Kicks e mais uma infinidade. No meio dessa algazarra ainda há SUVs conversíveis e cupês.

Esse movimento segue, num âmbito industrial e mercadológico, como a teoria de Darwin. Os SUVs evoluíram assim como as espécies vivas, segundo o naturalista. Jipões instáveis deram lugar a modelos que tinham comportamento de carro de passeio, apesar das habilidades fora de estrada e porte robusto. Depois começaram a encolher até chegar aos jipinhos como EcoSport, Renegade e Tracker e, alguns, se adaptaram e ganharam carrocerias mais arrojadas, como X6 e GLE Coupé.

 

Kotlerismo

A tartaruga gigante de Galápagos “Chelonoidis nigra abingdoni”, catalogada por Darwin, talvez não teria se extinguido se tivesse lido Kotler. Se tivesse lido o mestre, teria alterado a forma de consumo de sua carne e casco diante dos olhos dos caçadores.

Façamos uma pausa em homenagem ao saudoso George Solitário, que nos deixou junto com sua espécie em 2012…

… já está bom!

O professor da Escola de Negócios Kellog ajudou a evoluir o conceito de marketing ao ponto em que as empresas devem considerar o aspecto humano do consumidor, suas expectativas, necessidades e as sensações que um produto pode oferecer. Ou seja, não apenas vender um carro, mas vender a experiência que o carro proporciona.

O consumidor se apaixonou pelo SUV e quer viver a experiência de ter um, apesar de ser um automóvel como outro qualquer (em que a essência é levar o motorista do ponto A ao B com o menor esforço e tempo, seja um Fusca ou Rolls-Royce).

Daí os fabricantes com suas planilhas viram que era necessário saciar o desejo do mercado. Mas sabem que há incontáveis perfis de consumidores. Tem o sujeito que compra um Lamborghini Urus de US$ 200 mil (R$ 640 mil) e na ponta oposta um comprador que não pode levar pra casa nem mesmo a versão mais barata de um SUV compacto.

Qual é a solução? Populares travestidos de jipinhos. Há quem acredite que Volkswagen CrossFox é um SUV, assim como muita gente que se enveredou pela campanha de pré-venda do Kwid, achando que levaria um carro do porte do Captur e não o suplente do Clio.

A indústria tem criado denominações para emplacar esses pequenos escoteiros de jardim. A Ford chama o futuro Ka FreeStyle de CUV, abreviação para Compact Utility Vehicle, ou utilitário compacto, mas já chamou o Ka Trail de “utilitário leve” e fez campanha de lançamento colocando o carrinho na lama, como se fosse um carro preparado para o Rali Dakar.

É um disparate quando Renault e Ford oferecem seus miudinhos como utilitários, tal como quando a Fiat retira os bancos e as janelas traseiras do Uno e o vende como um furgão. Mas eles se baseiam em normatizações como ângulos de ataque e saída, altura mínima do solo para validar seus carros como utilitários.

Se esses atributos são suficientes para chamá-los de SUV, CUV, ou outra sigla qualquer, praticamente todo carro fabricado no Brasil pode ser um jipinho leve, uma vez que é obrigatório elevar a altura da suspensão para dar conta da buraqueira das ruas e estradas tupiniquins. Se a Volks tivesse se atinado, poderia ter vendido a Kombi como SUV, afinal tinha todos os atributos e ainda dava show em qualquer lamaçal!

Mas eles não estão errados. Na verdade, estão vendendo o que consumidor busca: a experiência de ter um SUV, mesmo que seja um hatch popular esquálido, mas que ostente para-lamas largos e pneus cheios de gomos!

É vida que segue!

 

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Marcelo Iglesias Ramos é Jornalista e Designer Gráfico.

Está na área desde 2003, atualmente é o editor do caderno HD Auto, do jornal Hoje em Dia, de Belo Horizonte. Figura presente em todos os lançamentos, salões do automóvel e eventos da indústria automobilística. Para relaxar, tem como hobby escrever para seu blog de games, o “GameCoin” (www.gamecoin.com.br).

Contato: (31) 99245-0855

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