É isso mesmo o que você leu no título: os motores três cilindros 1.0 e quatro cilindros 1.3, ambos da família Firefly, são superiores ao velho e combalido 1.8 E.TorQ. E olha que essa minha análise não tem nada de pessoal, é eminentemente técnica. Essa conclusão não é feita ao acaso, mas baseada em números e resultados que certamente beneficiarão o consumidor no momento da compra a fazer a escolha certa. Um grande número de leitores certamente me perguntará: “Como motores 1.0 ou 1.3 aspirados podem ser superiores a um bom e potente motor 1.8?”
A primeira coisa que analisamos quando o assunto é motor é o seu desempenho. Ou seja, o torque e a potência que ele produz. Mas, na prática, não é bem assim. A análise de um motor leva em consideração, sim sua potência e torque, mas também é muito importante como elas se apresentam ao longo do regime de rotações que o motor funciona. Além disso, o consumo de combustível, a emissão de poluentes, o silêncio de operação, a durabilidade e a facilidade de manutenção são fatores que devem ser colocados também na balança da escolha. E sob esses aspectos, a moderníssima família Firefly leva uma grande vantagem sobre o obsoleto e beberrão 1.8 E.TorQ.
As qualidades da família Firefly são frutos da curta e estudada história de seu projeto. Totalmente concebidos no Brasil, eles tiveram como meta o baixo custo de produção e a alta eficiência térmica e volumétrica, em que pese o fato de possuírem apenas duas válvulas por cilindro, um único comando de válvulas na parte superior, coletores de escapamento fundidos nas saídas de escape, bloco e cabeçote em alumínio e peso mínimo de todas as suas peças móveis. Só para que se tenha uma ideia, os atritos mecânicos de apenas um comando com duas válvulas e molas mais suaves geram uma perda mecânica na parte superior do motor 70% inferior quando comparado com um outro motor similar, mas com duplo comando e quatro válvulas por cilindro. Através de cálculos matemáticos precisos, os técnicos brasileiros também posicionaram as velas no interior da câmara de combustão de maneira a tornar a queima o mais eficiente possível.
Na prática, esses modernos propulsores consomem pouco e aproveitam de maneira mais eficiente a queima do combustível. A alta taxa de compressão melhorou ainda mais o rendimento térmico deles, e é interessante ressaltar que o motor três cilindros 1.0 e o quatro cilindros 1.3 são exatamente iguais em suas peças e componentes: a única diferença está no fato do 1.3 possuir um cilindro a mais. Se fosse possível colocar um cilindro a mais no 1.0, imediatamente ele se transformaria no 1.3. Motores tecnologicamente avançados e, por isso, bem superiores ao referido 1.8.
De onde vem o E.TorQ?
Esse motor, batizado pela Fiat de 1.8 E.TorQ, na realidade foi encomendado pela Chrysler e Rover (na época, subsidiária da BMW) à uma empresa inglesa especializada na concepção e projeto de motores na segunda metade dos anos 90. As grandes clientes queriam um motor compacto, de baixo custo de manutenção e que tivesse boa performance. Inicialmente, a pedida era de 1.4 e 1.6 litros com aspiração natural. Posteriormente, foi desenvolvida uma versão 1.6 superalimentada, a mais potente da linha.
O Brasil foi o país escolhido para fabricar essa então novidade, através da joint-venture Tritec, pertencente à própria Chrysler e Rover. Na época, a sede da produção era em Curitiba, no Paraná, e toda a produção desses motores era exportada para EUA e Europa, principalmente. Lá fora, eles eram utilizados pela BMW nos Mini One e Cooper, e nos Chrysler Neon e PT-Cruiser. Tudo ia muito bem, até que a Mercedes-Benz assumiu o controle da Chrysler americana em 1998. Repentinamente, a fábrica brasileira da Tritec entrou em uma enrascada: a BMW viu-se sócia de sua arqui-inimiga Mercedes-Benz em uma fábrica de motores no Brasil. Uma situação incômoda para as duas marcas, que culminou na polêmica solução do fechamento da fábrica, encerrando não só a planta da Tritec em Curitiba como também o projeto do motor inglês.
Depois de alguns anos fechada e pegando poeira, a fábrica da Tritec foi adquirida pela Fiat em 2008, que descartou o projeto do motor 1.4 (já existia o Fire nacional), mas aproveitou o 1.6 aspirado e, através de um virabrequim de curso mais longo, lançou uma versão 1.75 litro, chamada pela marca de 1.8. Esse é o E.TorQ que conhecemos hoje. Vale lembrar que, nessa época, a Fiat vinha comprando motores da General Motors para equipar seus carros, coisa que muitas vezes criava situações embaraçosas, afinal era uma concorrente comprando componentes da outra.
Pelo histórico, fica fácil perceber que esse propulsor 1.8 não é a última palavra quando o assunto é modernidade, como ocorre nos Firefly. Esse projeto já beira os 25 anos de concepção e um dia já foi moderno, mas hoje é limitado. A reclamação que mais se ouve no mercado é a de que ele consome muito e tem pouco torque nos baixos regimes de rotações, fato que obriga o motorista a pisar sempre mais do que deve no acelerador. Mas, claro que quando comparamos o desempenho do 1.8 com seus irmãos 1.0 ou 1.3, sua performance supera longe a de seus irmãos menos potentes.
Mas o que ele consome nessas condições faz com que seus irmãos sejam considerados os reis da ecologia, gastando muito menos e poluindo controladamente nossa atmosfera. E, não preciso nem dizer que os carros equipados com os motores Firefly, mais modernos, são bem mais baratos na hora de comprar, afinal o custo de produção do Firefly é bem contido quando comparado com o E.TorQ. Por isso fica a lição que nem sempre maior cilindrada significa superioridade mecânica, principalmente depois do desenvolvimento dos motores superalimentados, quando os 1.0, 1.3 e 1.5, por exemplo, tem performance igual ou superior ao grandalhões acima dos 2 litros, além de levarem a melhor em consumo de combustível, emissão de poluentes e peso.
Douglas Mendonça é jornalista na área automobilística há 46 anos.
Trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e foi diretor de redação da revista Motor Show até 2016. Formado em comunicação pela Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Engenharia Paulista (IEP).
Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e a Mil Quilômetros de Brasília em 2004.
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