Os fatos que vou relatar aconteceram no segundo semestre de 2001 e mostram a trajetória do lançamento de uma nova versão do Gol. Falo com a propriedade de quem participou e, principalmente, opinou na criação do novo carro. Naquela época, eu, Douglas Mendonça, era o diretor técnico da Revista Motor Show, publicada pela Editora Três, onde eu trabalhava desde seu início em 1994. Tinha como colega de redação meu sobrinho e grande amigo Ricardo Dilser, na época redator chefe da revista.
Em função da qualidade do nosso trabalho no meio jornalístico, o diretor de marketing e vendas da extinta concessionária VW Sopave (Sociedade Paulista de Veículos), Naul Ozi, nos chamou para uma reunião, onde buscava nosso know-how técnico para criar um novo produto exclusivo da Sopave, que na época era a maior concessionária Volkswagen do Brasil e vendia cerca de 1.500 carros por mês.
Mas Naul tinha um sério problema e esse problema se chamava Gol Special. Explico melhor: essa versão do Golzinho era absolutamente básica, vinha equipada com motor 1.0 de 8 válvulas, rodas de aço aro 13 e estreitos pneus 145/80, onde a calota era um simples copinho plástico no meio da roda. O carro era triste de tão básico! Além disso, Naul Ozi explicou que além de feio e desajeitado, o carro tinha uma margem de lucro ridiculamente baixa, na casa dos R$150 para cada unidade vendida (em valores da época, claro).
Ele reclamava que essa margem não pagava nem a hora do vendedor mostrando o carro aos clientes e preenchendo a papelada de venda, por isso pedia nossa opinião (minha e do Ricardo Dilser), para saber como poderíamos resolver esse problema para ele. Nos anos 2000, a grande moda e sucesso era a de carros aventureiros urbanos, aqueles que tem todo o tipão de fora-de-estrada, mas que na realidade foram feitos para andar na cidade, enfrentando com galhardia as irregularidades e buraqueiras de nossas ruas.
Nas oficinas da Sopave então, eu e o Rica (como Dilser é carinhosamente chamado pelo pessoal mais próximo) quebrávamos a cabeça de como poderíamos transformar o patinho feio Gol Special em algo melhor e mais rentável. Não fomos muito criativos: pegamos todas as ideias da então Palio Weekend Adventure, que na época estourava de vender; roubamos tudo que deu, desde os acabamentos plásticos ao redor dos paralamas, o quebra-mato em metal na frente e, no mesmo estilo, os estribos laterais, que davam ao magricelo Golzinho um ar mais robusto. Para completar, Naul nos contou que tinha um galpão lotado de rodas aro 14 de Golf, montadas com pneus 175/80, cuja furação era idêntica à do Gol (4×100), e foi esse conjunto que usamos.
Para completar o design, utilizamos hacks de teto nas capotas, bem parecidos com os da station da Fiat, pintamos as colunas e o bocal de combustível de preto fosco, e não nos esquecemos das máscaras negras nas lentes de seta dianteiras e um par de faróis de milha na frente. Bingo! Estava pronto um Gol bacana, que poderia ser vendido a preços baixíssimos, já que todas as mudanças eram fáceis e baratas. Era exatamente o que queria a Sopave e seus diretores. Na prática, a concessionária VW passou a vender esse novo carro por R$15.000, bem melhor que os R$13.500 do Special.
O nome Xtreme (se lê “ikstreme”, do inglês “extremo”) foi uma criação do Rica e não sei nem mesmo de onde ele tirou isso. O fato é que o nome foi bom e caiu muito bem nesse novo aventureiro da Sopave: Gol Special Xtreme, que até adesivo exclusivo com o nome da versão tinha. Pronto, o carro passou a vender mais do que água no deserto. As vendas, que eram ridiculamente baixas e problemáticas para a concessionária, em um curto espaço de tempo passou a ser cerca de 25% de todas as vendas de Gol da concessionária.
Nesse ponto, tínhamos arrumado um outro problema para a Sopave: como esse Xtreme era feito a partir de um Gol Special de maneira totalmente artesanal, as oficinas não davam conta de produzir os carros suficientes para atender a demanda, já que o carrinho era tão diferente e barato que valia muito mais a pena que um Special pelado tradicional. E o problema complicou ainda mais quando empresas de telefonia e de instalação de TV a cabo, que rodam muito nas cidades, onde as condições de rodagem são críticas, perceberam que esse Golzinho mais robusto seria pau pra toda obra nos seus serviços. Com as rodas maiores e pneus mais altos, a altura do solo melhorou bastante, o que deixava ele menos suscetível a enroscar em lombadas, valetas e buracos.
Mas faltava mercadoria para entregar aos tais interessados e era difícil resolver algumas questões, como por exemplo, a dos adereços plásticos que contornavam as caixas de rodas. Esses componentes eram comprados das próprias concessionárias Fiat (eram literalmente os mesmos da Palio Weekend Adventure), e depois aquecidos com um maçarico para adquirir exatamente o contorno dos para-lamas do popular da VW. Para a Sopave, houve um substancial aumento de lucro nas vendas desse carro, o volume de vendas cresceu bastante e os ganhos paralelos da concessionária com seguro, despachante, lacração, colocação de acessórios complementares (som, rodas de liga, tapetes e por aí vai), aumentaram.
Todo mundo saiu ganhando, até a Volkswagen, que certamente passou a vender alguma coisa a mais de Gol Special que foram transformados em Xtreme. Tecnicamente falando, a grande alteração pela qual o carro passava era a utilização das rodas aro 14 com pneus de perfil alto, que alongavam a relação final de transmissão. Com isso, o carro perdia um pouco de agilidade nas acelerações e retomadas, mas ganhava no menor nível de ruído e consumo rodoviário mais contido.
Na época, ele utilizava o motor AT-1000 (AT de Alto Torque), equipado com injeção eletrônica multiponto. Como curiosidade, esse motor foi a primeira variação da família EA-111, a mesma que ainda está em produção com 1.6 litro, e também foi o primeiro propulsor fabricado na planta VW de São Carlos, no interior paulista. Era conhecido pelo baixo consumo de combustível, tanto na versão a gasolina quanto na álcool (os flex ainda não existiam). Eram 57 cv e 8,6 mkgf de torque com gasolina ou 61 cv e 9,7 mkgf de torque com álcool, que, em um carro de aproximadamente 900 kg, garantiam certa esperteza ao volante.
Em sua grande maioria, os Gol Xtreme ficaram no estado de São Paulo, principalmente na cidade de São Paulo, onde ficava a Sopave. Poucos sobraram nesses 20 anos e ainda menos mantém a aparência original da época (uma boa parte foi descaracterizada e virou um Gol Special normal com rodas maiores). Muito já se falou e muitos jornalistas já escreveram sobre esse carro e até a Revista Quatro Rodas o avaliou e testou. A ideia foi tão boa que dois anos depois a VW lançou a versão Rallye do Gol, mais cara e potente e, em 2006, começou a vender o Gol Titan, esse sim um 1.0 básico com visual aventureiro, bem parecido com o nosso Xtreme. Um Golzinho que, queiram ou não, entrou para a história dos Gol mesmo não sendo feito pela própria Volkswagen. Uma ideia que veio de fora.
Douglas Mendonça é jornalista na área automobilística há 46 anos.
Trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e foi diretor de redação da revista Motor Show até 2016. Formado em comunicação pela Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Engenharia Paulista (IEP).
Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e a Mil Quilômetros de Brasília em 2004.
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