A Volkswagen divulgou, há pouco, que chegou à marca de 30 milhões de unidades fabricadas do Passat. Números que superam, por exemplo, as vendas do Fusca em todos os seus anos de atividade. O Passat chegou ao mercado em 1973, desembarcou no Brasil pouco depois e é aí que a história começa.
Minha primeira percepção de automóvel foi a bordo de uma Passat. Uma unidade 1976, versão LS, ainda com faróis simples redondos. Meu velho ficou com esse carro até 1987. Para quem não sabe, tanto ele quanto eu temos uma preguiça mórbida de trocar de carro.
E nesses anos a bordo do Passatinho, vivemos de tudo. Naquela época, não existia esse negócio de cinto de segurança. Ninguém sabia como afivelar aquele treco. Cadeirinha infantil era algo que não existia. No máximo era uma cestinha tipo de feira, que as mães colocavam os bebês sentadinhos no sol. Era tudo solto, numa nice!
A maritaca
Quem viveu os inebriantes anos 1980 sabe muito bem que viagem de férias era um lance um tanto improvisado. Quase ninguém se hospedava em hotéis. Ou você tinha um conhecido com uma casa em São Francisco (RJ) ou Guarapari (ES), ou tinha que alugar um cafofo ou acampar.
Nosso círculo de amizades não era tão abastado a ponto de termos “parças” com casas na praia. Camping era o trivial, mas com uma irmã pequena, alugar uma casa por uns 10 dias era mais inteligente. Naquela época, telefone não brotava em árvores. Daí, quando se viajava para o litoral, era na raça e na “certeza” de que teria um casebre para o veraneio.
Numa dessas aventuras fomos parar em Alcobaça (BA). No porta-malas do Passatinho, cabiam malas, caixa de isopor, ventilador e até mesmo nosso único televisor (um Philco-Ford de 17 polegadas).
Depois de algumas voltas, conseguimos uma casa. Ficamos conhecidos na rua por causa da TV. A vizinhança se amontoava na janela para assistir as desventuras de Sinhozinho Malta e a Viúva Porcina. Foi bacana, pois sempre rolava cocada e outras gordices locais.
Numa dessas “presenças”, uma senhora nos presentou com uma maritaca. A bichinha era mansa, tinha a asa cortada (uma grande covardia), mas a consciência ambiental nos anos 1980 era tão latente como a ideia de que fumar num carro fechado não era saudável para crianças.
O fio de náilon
Na volta para casa, o Passatinho nos presenteou com o rompimento do cabo do acelerador. Meu pai sempre foi um sujeito engenhoso. Filho de mecânico, ele aprendeu cedo a não ficar parado na estrada.
Com dois meninos tocando o terror, o rádio tocando o samba-enredo do Carnaval e a maritaca falando mais que minha mãe, meu pai até que poderia botar fogo com todo mundo dentro. Seria até compreensível. Mas não, ele pegou seu molinete, puxou alguns metros do fio de naylon e se enfronhou dentro do capô.
Depois de alguns minutos, lá estava ele acelerando com o dedo. O velho teve o cuidado de passar o cabo pela grelha do capô e pelo quebra vento.
E lá fomos nós embora, com o velho “debicando pipa” pela BR-116. Na altura de Ibambacuri, quem vinha na direção contrária piscava os faróis. Era a senha de uma blitz à frente. Minha mãe entrou em pânico. Não pelo fato de eu e minha irmã estarmos soltos junto com a Philco-Ford, mas pelo risco de a maritaca ser apreendida. As duas tinham criado um vínculo afetivo de dois amantes que se encontram depois de umas duas encarnações…
O velho parou, abriu o porta-malas e socou a bichinha dentro do pequeno compartimento lateral que havia no forro do bagageiro. Servia para acomodar o macaco e a chave de rodas. Era lá que ele guardava o revólver!
Não é preciso dizer que o homem da lei percebeu o brilho do fio de náilon há léguas de distância e acenou. Tivemos que encostar. Visto que se tratava de um “simples” problema, ele recomendou que parássemos na primeira cidade para consertar o cabo do acelerador. Mas, antes de partirmos, pediu para verificar a bagagem.
Para que o policial não ouvisse os gritos de socorro da maritaca, minha mãe aumentou o volume do rádio e botou eu e minha irmã para cantar o sambão a plenos pulmões. Diante daquele inferno, o guarda olhou para meu meu pai com um olhar de piedade e disse: “Vai embora e conserta esse cabo!”
Resultado dos fatos: a maritaca chegou em casa, mas foi vítima de um gato dias depois; e o fio de náilon segurou a onda até Belo Horizonte.
Agora, imagina quanta história tem dentro de cada um desses 30 milhões de Passat?
Eu tenho algumas histórias em outros três, mas são causos para outro dia.
E vida que segue!
Marcelo Jabulas é Jornalista e Designer Gráfico.
Está na área desde 2003, atualmente é o editor do caderno HD Auto, do jornal Hoje em Dia, de Belo Horizonte. Figura presente em todos os lançamentos, salões do automóvel e eventos da indústria automobilística.
https://www.youtube.com/garagemdojabulas
Ver comentários (1)
negativo, o nome pode se o mesmo mais o carro e totalmente diferente do primeiro passat, diferente do fusca que quase não mudou ate o fim da produção